
Na semana passada, a Globo deu um susto em parte do público que estava começando acompanhar Além da Ilusão na faixa das 18h da emissora. No capítulo de sábado passado (12), Davi (Rafael Vitti) viu sua história de amor com Elisa (Larissa Manoela) terminar para sempre depois que a moça foi assassinada pelo próprio pai, Matias (Antonio Calloni).
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Embora estivesse prevista desde a pré-produção do folhetim de Alessandra Poggi – e também viesse sendo divulgada pela imprensa antes mesmo de a obra entrar no ar -, a morte de Elisa pegou os mais desavisados de surpresa, já que a personagem fora apresentada como a heroína da trama. As chamadas, inclusive, reforçavam tal impressão.
Nos próximos capítulos, ficará claro para a audiência que Elisa saiu de cena para dar lugar a Isadora (também vivida por Larissa Manoela), sua irmã mais nova e verdadeira protagonista de Além da Ilusão. No entanto, é inegável que o sacrifício da ‘mocinha original’ causou impacto tanto na plateia – muitos chegaram a recorrer à internet para se certificar se Elisa havia morrido ‘para valer’ – quanto na crítica especializada, que não economizou aplausos à ousadia da autora.
Embora o artifício de matar o próprio herói da narrativa soe a ousadia das maiores em termos de telenovela, o fato é que não são poucos os casos de folhetins nacionais e estrangeiros que, por uma razão ou por outra, fizeram seus protagonistas passarem desta para a melhor diante do público. Relembremos alguns casos.
Além do Tempo (2015)

Inovadora obra de Elizabeth Jhin, que possuía o espiritismo como pano de fundo e optou por abordar a trajetória de seus personagens em épocas e encarnações diferentes.
A trama começava no século XIX, quando Lívia (Alinne Moraes) deixa o noviciado contra a vontade da mãe, Emília (Ana Beatriz Nogueira), e envolve-se numa paixão proibida com Felipe (Rafael Cardoso), sobrinho-neto da condessa Vitória Castellini (Irene Ravache). Os vilões Pedro (Emílio Dantas) e Melissa (Paolla Oliveira), porém, não aceitam o amor do casal e preparam-lhes uma emboscada, matando-os afogados por volta do capítulo 90.
Ocorre então uma passagem de tempo de 150 anos, transportando a ação para a atualidade e voltando a cruzar os destino de Lívia e Felipe, agora em novas encarnações. O problema é que Melissa e Pedro também reencarnaram, e igualmente dispostos a impedir o amor dos protagonistas.
Quase Anjos (2009)

Esta produção argentina, exibida no Brasil pela Band, em 2011, e carregada de realismo fantástico, dava início à sua terceira temporada com uma terrível profecia: Paz Bauer (Emilia Attías), a protagonista, seria assassinada por Camilo Estrela (Mariano Torre), o galã – tragédia que os pombinhos deveriam fazer de tudo para evitar.
Apesar de todos os esforços deles e dos demais personagens, por volta do capítulo 80, o que parecia improvável acontece: manipulado por uma ilusão ótica do vilão João Cruz (Mariano Torre), Camilo mata a mulher de sua vida com um tiro à queima-roupa.
O aparente fracasso, porém, da missão que norteava o enredo encontra uma solução quando Thiago (Peter Lanzani) consegue a façanha de viajar no tempo e alterar os episódios que levaram ao assassinato de Paz, conseguindo reencontrá-la sã e salva ao retornar ao presente. No entanto, a inexorável força do destino mais uma vez parecia conspirar para repetir o desfecho de outrora, e novas intervenções criativas se fazem necessárias para solucionar este intrincado desafio.
Negócio da China (2008)

Um sério problema de bastidores que desfalcou o elenco central desta atravancada trama de Miguel Falabella, recordada como um dos maiores fracassos da Globo às 18h – curiosamente, a mesma em que Além da Ilusão hoje vai ao ar.
Escalado para formar com Grazi Massafera e Ricardo Pereira o triângulo amoroso principal de Negócio da China, Fábio Assunção se viu obrigado a abandonar o barco por conta de seus problemas com drogas. Falabella viu-se, então, obrigado a sacrificar o próprio mocinho no primeiro mês da história!
O personagem Heitor desapareceu misteriosamente, logo após descobrir o envolvimento do vilão Wu (Anderson Lau) com a máfia chinesa. Sua morte só veio a ser confirmada várias semanas depois, dando a entender que o antagonista o havia assassinado para evitar ser delatado.
Inicialmente, com a saída de Assunção, a ideia era escalar Thiago Lacerda para interpretar um novo candidato ao coração da heroína Lívia (Grazi). Porém, como o relacionamento dela com João (Pereira) já havia caído de vez no gosto do público, optou-se por deixar as coisas como estavam.
Floribella (2005-2006)

A obra infanto-juvenil da Band traumatizou mais de uma geração de crianças e adolescentes ao encerrar, sem direito a happy end, o romance de conto de fadas entre Maria Flor (Juliana Silveira) e Frederico Fritzenwalden (Roger Gobeth).
No final da primeira temporada da trama, Frederico viajou de helicóptero para a Alemanha, a fim de anular seu casamento com a vilã Delfina (Maria Carolina Ribeiro), e acabou morrendo em um trágico acidente aéreo. Surgia então um novo galã, o irreverente conde Máximo (Mário Frias), para conquistar o coração da atrapalhada protagonista.
Mais do que a necessidade de renovar a trama para uma segunda fase, o que pesou mesmo foi um detalhe ‘importado’ de bastidores, por assim dizer,. Floribella é uma adaptação da trama argentina Floricienta, cujo galã original (Juan Gil Navarro) pediu para deixar o elenco – aspecto que a matriz em Buenos Aires obrigou a Band a manter no remake.
Estrela de Fogo (1998-1999)
No final dos anos 1990, a TV Record apostou em algumas produções independentes para criar no telespectador que gosta de novelas o hábito de sintonizar a emissora. Uma delas foi Estrela de Fogo, que ocupou o horário das 20h entre 1998 e 1999.
Gustavo Proença de Alvarenga (Fúlvio Stefanini) é um fazendeiro bastante próspero da região de Girassol, no interior de São Paulo. Casado com Estela (Cristina Prochaska), ele tem como rival um antigo empregado, Tadeu Gomes de Oliveira (Luiz Guilherme), que o inveja porque ama Estela e a deseja para si.
A boa repercussão da novela fez com que fosse encomendada uma nova fase ao autor Yves Dumont, que encerrou a primeira com a morte de Gustavo. A partir daí, Tadeu teria que lutar contra outro rival pelo amor da viúva: o forasteiro Giuliano (Carlo Briani), que chega à cidade e vai trabalhar como administrador da fazenda.
A Alma Não Tem Cor (1997)

Esta produção da Televisa perdeu seu protagonista, Arturo Peniche, numa dinâmica de bastidores similar à que afetou Negócio da China na Globo. Após diversos desentendimentos com o diretor da trama, Otto Sirgo, o ator acabou suspenso das gravações, com seu personagem, Lisandro do Álamo, desaparecendo e sendo dado como morto.
Foi a gota d’água para Peniche, que não engoliu o desaforo e se autodeclarou demitido do elenco. O jeito, então, foi matar de verdade Lisandro – havia a intenção de ‘revivê-lo’ depois que a poeira baixasse detrás das câmeras – e inventar um novo amor para a mocinha Guadalupe (Laura Flores) em plena reta final: o médico Vítor Manuel (Osvaldo Sabatini).
Essa solução, porém, soou tão forçada que Guadalupe e Vítor Manuel sequer ficaram juntos ao fim de A Alma Não Tem Cor, condenando a heroína à solidão conjugal definitiva…

A Viagem (1994/1975)
Clássico da teledramaturgia brasileira em suas duas versões – a primeira pela extinta TV Tupi, a segunda pela Globo, com direito a várias reprises na TV aberta e fechada -, esta história de Ivani Ribeiro sacrificou não apenas um, mas seus dois protagonistas a fim de abordar a vida após a morte segundo a doutrina espírita.
César Jordão (Altair Lima) / Otávio Jordão (Antonio Fagundes) é o primeiro a fazer a ‘passagem’, em um trágico acidente de automóvel. Já sua amada Diná (Eva Wilma/Christiane Torloni) morre pouco depois, de causas naturais. A novela mostra então o reencontro dos dois no plano espiritual, onde ambos encaram a missão de redimir a alma atormentada do vilão Alexandre (Ewerton de Castro/Guilherme Fontes).
Amor em Silêncio (1988)

Foi o desejo de surpreender o público e causar certo ineditismo que levou a produtora Carla Estrada a se desfazer de seus protagonistas, Marcela (Érika Buenfil, Amores Verdadeiros) e Fernando (Arturo Peniche, mais uma vez ele), na metade da história!
A caminho do altar e do esperado ‘felizes para sempre’, os pombinhos são surpreendidos em plena cerimônia de casamento pela chegada da irmã dele, Mercedes (Margarita Sanz), que, movida pela paixão incestuosa que sentia por Fernando, disparava à queima-roupa contra ele e Marcela, matando-os instantaneamente!
Àquela época, não havia internet, e os spoilers fornecidos por revistas e jornais ainda eram escassos, de modo que a audiência se viu tão espantada quanto perdida, sem poder saber o que aconteceria na novela agora que os mocinhos estavam mortos.
A resposta veio poucos capítulos depois, quando uma passagem de tempo de 20 anos trouxe Érika Buenfil de volta como Ana, filha de Marcela e Fernando, para viver de fato um ‘amor em silêncio’ com Ângelo (Omar Fierro), rapaz que perdeu a capacidade de falar após um sério trauma de infância.
Corpo Santo (1987)
A TV Manchete apostou alto em sua teledramaturgia para competir com a TV Globo em diversas ocasiões. Em 1987, na faixa das 21h, a emissora exibiu a novela Corpo Santo, de tom diferenciado – ditado pelo fato de ser um de seus autores o jornalista José Louzeiro, conhecedor da crônica policial – e ousado. A trama era localizada nos conflitos do submundo carioca.
Um produtor de filmes pornográficos, Teo (Reginaldo Faria), se envolve com a viúva Simone (Christiane Torloni) devido a seu interesse na filha dela, Lucinha (Sílvia Buarque), possível nova estrela de seus títulos para adultos. As atividades de diversos criminosos são acompanhadas por Bárbara (Lídia Brondi), jornalista que vê a própria vida em risco em razão de seu trabalho.
Na época, Christiane Torloni se desentendeu com a produção e a solução foi afastá-la da novela. O cruel Russo (Jonas Bloch) mata Simone, e a história valorizou ainda mais Bárbara e Lucinha para seguir adiante.
Os Imigrantes (1981-1982)

40 anos depois de sua exibição pela TV Bandeirantes, a novela Os Imigrantes segue celebrada por sua narrativa audaciosa, que se propunha a contar sete décadas de História do Brasil a partir das vidas de três estrangeiros, que buscaram em nosso país uma vida melhor no final do século XIX (19).
Benedito Ruy Barbosa deu a seus protagonistas um nome comum, Antonio, compreendido e dito da mesma forma tanto em italiano quanto em espanhol e português. Antonio De Salvio (Herson Capri/Rubens de Falco), Antonio Hernández (Zemanuel Piñero/Altair Lima) e Antonio Pereira (David Arcanjo/Othon Bastos) se conheceram durante a viagem de navio da Europa para o Brasil, e suas vidas se entrelaçaram a partir daí.
Justamente porque a narrativa se prolonga durante décadas a fio, em um ano e meio no ar e quase 500 capítulos, no decorrer de Os Imigrantes os três Antonios que deram início à saga falecem. Primeiro é Hernández quem morre, quando finalmente parecia estar próximo de sossego e prosperidade com a esposa Mercedez (Yoná Magalhães).
Entre os capítulos 300 e 400, De Salvio e Pereira também falecem. O italiano deixa a família após adoecer na velhice, depois de anos de dificuldades com a lavoura de café, embora esta tenha também rendido bons frutos e lucros nos tempos áureos.
Já o português é o que vive mais dos Antonios: após estabelecer seu negócio de transportes e até reencontrar o amor com Ruth (Elza Maria), Pereira deixa o patrimônio para os filhos cuidarem e volta para Portugal no fim da vida. Nenhum dos atores deixou a novela antes do fim em razão de desentendimentos internos ou coisa do tipo, mas sim pelas necessidades dramatúrgicas.
por Felipe Brandão e Fábio Costa