
A ideia não poderia ser mais oportuna: celebrar o retorno e os 40 anos do programa Sem Censura, ícone da cultura e do debate na TV brasileira, com uma temporada em Salvador. Essa iniciativa ocorre no momento em que o Axé Music também marca suas quatro décadas e passa por uma de suas maiores crises existenciais.
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O gênero vem sofrendo um processo de apagamento histórico de suas raízes através de alterações que vão além das linhas melódicas culminando em grosseiras adulterações, mutações e mutilações de suas clássicas letras por preconceito racial e religioso. O mais curioso é que essas falsificações que passam por cima dos direitos autorais de seus compositores estão sendo cometidas por cantores que ganharam projeção, enriqueceram e vivem até hoje desse ritmo genuinamente afro-baiano.
A ameaça Cláudia Leite
Embora não seja a única forma de manipulação, a mais perceptível é a das substituições de palavras de origem da cultura e religiões de matrizes africanas por outras expressões de outras culturas religiosas alienígenas no universo do axé. Essas violações chamaram mais atenção através da voz de Cláudia Leite por sua obvia popularidade que o axé lhe deu. Mas justiça seja feita, não é a única nem foi a primeira a cometer essas falsificações.
Ninguém é obrigado a seguir sempre o mesmo pensamento. Todos podem e possuem o direito de mudar de crença e conceitos. Portanto, se as antigas letras não dizem mais nada a essas pessoas ou se contrapõem suas atuais crenças, o honesto seria não incluí-las mais em seus repertórios.
Mas aí esbarra em um pecado capital, o da avareza. As letras censuradas são justamente as famosas e que mais rendem direitos de veiculação. Recorrendo aos ditados populares: ao mesmo tempo que “cospem no prato que comeram”, “não querem largar o osso”.
As trocas das dos vocábulos afros por bíblicos resultou em investigação do Ministério Público sobre racismo e intolerância religiosa, indignação de compositores, discussões acaloradas nas mídias sociais, riscos de cancelamentos e reações de grandes expoentes da cultura nacional e do Axé Music. Entre os que correram em defesa da tradição, Daniela Mercury, Ivete Sangalo e a atual ministra da Cultura, Margareth Menezes.
Sotaque baiano na bancada
Com convidados e plateia locais, o axé music ganha lugar de honra na bancada do Sem Censura baiano. São esperados entre suas atrações pesquisadores, compositores, cantores, escritores atores e artistas plásticos ligados ao ritmo aniversariante além de outros expoentes da cultura local.
“Esse ano, o Sem Censura está celebrando 40 anos no ar e, para dar o pontapé inicial nas comemorações, agora em janeiro a gente vai fazer uma temporada especial de verão direto de Salvador, na Bahia. Essa cidade que é o berço da nossa história e que é cheia de axé”, comemorou a apresentadora Cissa Guimarães, que assumiu o comando desta nova fase do programa.
A transmissão será direta do Cine Teatro 2 de Julho, na sede da TVE Bahia, entre os dias 20 e 31 de janeiro. A proposta é excelente. Além de apoiar a cultura local em um momento de ataques a sua raiz, ainda descentraliza as transmissões nacionais de TV, saindo do eixo Rio-São Paulo.
Sem Censura abandona o Rio em seu dia mais emblemático
No entanto, a direção da EBC e a produção do programa cometeram um deslize. O Sem Censura, que conquistou a audiência ao longo de seus 40 anos, ganhou repercussão nacional ao levar ao país a leveza, o bom humor, a cultura e a descontração características do carioca, já que foi gerado quase inteiramente dos estúdios da antiga TVE, no centro do Rio de Janeiro, hoje TV Brasil da rede EBC.
E justamente a sua partida acontece em 20 de janeiro, uma das datas mais significativas para os moradores do Rio de Janeiro. Trata-se de uma das poucas cidades em que o dia de sua fundação, em 1º de março, nem é feriado e passa praticamente despercebido. É ofuscado pela vocação religiosa do município que exalta o pertencimento do carioca em 20 de janeiro, feriado do seu padroeiro São Sebastião, associado a Oxóssi pela força do sincretismo.
Quase todas as comemorações relacionadas ao município, inclusive as oficiais, acontecem nesta data. Muitos cariocas acreditam que 20 de janeiro seja de fato o dia do aniversário da Cidade Maravilhosa.
Portanto, a localidade que geriu esse patrimônio cultural, que é o Sem Censura e se mobilizou tantas vezes para impedir que o programa da TV estatal sofresse censura, ingerência política ou fosse retirado do ar também merecia uma edição temática em sua homenagem como tradicionalmente costumava ser feito. Bastaria bom senso e adiar a viagem por um dia.
A temporada inspira criação de versão local permanente
Entusiasmados, os executivos da TVE Bahia trabalham em uma versão local do Sem Censura, projeto já em análise, cotado para começar a deslanchar assim que a atração original retornar para o seu berço no Rio de Janeiro. O perfil deste produto segue em total ressonância com a linha editorial adotada por essa televisão pública regional onde a cultura e o debate permeiam sua grade de programação.
Mantendo a tradição, é certo que a condução baiana será de uma mulher. Nomes de apresentadoras começam a ser avaliados a sete chaves tanto entre as atuais funcionárias da casa assim como a possibilidade de contratar uma profissional de fora.
O grande desafio é conciliar uma personalidade que ao tempo imprima o tempero baiano mas não perca a aderência com o Sem Censura original, já que a atração local vai atuar como um complemento a edição nacional. Os executivos testam duas opções de horário: antes ou depois da transmissão do programa gerado do Rio de Janeiro.
Durante essa temporada baiana, o televisivo Sem Censura deve ganhar retransmissão em áudio através da emblemática Rádio Educadora da Bahia, também ligada ao governo estadual. Ainda avaliam se seria simultânea, transmitida em horário alternativo ou em versões especiais editadas para os finais de semana. Se essa sinergia funcionar, essa dobradinha entre o rádio e a TV deve continuar com a inauguração do Sem Censura Bahia.
Sem Censura Pará: 36 anos
O projeto baiano não é nada original. Há 36 anos, a TV Cultura do Pará mantém no ar a versão amazonense, estreando apenas quatro anos após a criação do original carioca. Atualmente com apresentação de Vanessa Vasconcelos, possui uma hora e meia de duração antecedendo a edição nacional gerada do Rio de Janeiro.
É a mais antiga atração deste canal paraense, entrando no ar um ano após a inauguração TV Cultura local. Estreou no dia 28 de março de 1988 e desde então debate diversos temas, como política, economia, meio ambiente, saúde, comportamento, moda, arte, cultura, música e atualidades. O formato interativo ganhou forma ao longo das transformações que a comunicação passou nesses três décadas.
Numa avaliação feita em 2022 contabilizaram 750 convidados e entrevistados no programa, em mais de vinte mil edições. Assim como o original carioca, a edição paraense também sempre foi comandada por mulheres, passando pelo posto grandes nomes da região, como: Fátima Aragão, Márcia Freitas, Linda Ribeiro, Kenny Teixeira, Danielle Redig, Elane Magno, Andrea Cunha, Renata Ferreira e Vanessa Vasconcelos, que está à frente da atração há quatro anos.