
Mesmo enfrentando seus notórios problemas financeiros, a Band vai voltar a investir em uma novela. Repare na singularidade dessa frase, que representa um erro estratégico da emissora. Embora seja natural que uma produção faça mais sucesso que outra, esse gênero não se sustenta isoladamente por uma única obra.
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O grande segredo está na continuidade e na manutenção de um horário fixo. Para tanto, é necessário paciência e investimento a médio e longo prazos, a fim de criar o hábito que leva à consolidação e, consequentemente, à audiência. Além disso, a emissora enfrenta um obstáculo que dificulta a aplicação de uma das principais dinâmicas desse mercado.
É que o modelo de negócio da TV aberta é baseado no crescimento contínuo da audiência durante a exibição de sua grade de programação. Isso significa que uma atração transfere seu público e impulsiona o conteúdo seguinte.
Não adianta o desempenho seguir de forma crescente a partir do final da tarde, com o Brasil Urgente, prosseguindo com os telejornais locais, o tradicional Jornal da Band e o Melhor da Noite. O público duramente conquistado troca de canal em massa com a entrada do horário nobre vendido para o Show da Fé.
Longe da Fórmula do Sucesso
Após o término do religioso, não tem milagre que faça com que retomem os índices de audiência perdidos. Deixa as atrações seguintes praticamente falando sozinhas e praticamente sem chances de recuperação reiniciando do zero. E é exatamente nesse deserto de audiência que deve entrar a nova faixa de novelas.
A liderança absoluta da Globo, sustentada até hoje pela dramaturgia, não foi conquistada nos primeiros anos. Perdiam feio para a pioneira Tupi e a Excelsior. Boni e Walter Clark precisaram segurar suas ansiedades e conter as expectativas imediatistas da direção geral e do departamento comercial.
Entusiasmos momentâneos da Band
Num de seus impulsos, a Band se encanta com o projeto promissor idealizado por Jayme Monjardim, um dos grandes nomes nesse segmento. Guardadas as devidas proporções e diferenças setoriais, pode repetir o mesmo erro recente com a contratação de Faustão. Acreditaram ingenuamente que ele sozinho seria o “salvador da pátria” sem o suporte de estar inserido numa grade de programação robusta, estruturada e cristalizada.
E ninguém melhor no mercado do que Monjardim para desenvolver essa sinopse. Traz no currículo a execução de uma novela totalmente gravada em locações externas das boleias de caminhões aos acampamentos registrados na caravana pelo país. A itinerante Ana Raio e Zé Trovão, ajudou a reter parte da gigantesca audiência de Pantanal.
Este, por sua vez, só alcançou o sucesso monumental porque ocupou uma faixa horária já traçada por novelas anteriores pacientemente mantidas pela Manchete mesmo não tendo registrado os melhores índices. O diretor possui a expertise necessária para trabalhar com a dinâmica exigida pela temática de Romaria, mas isso não é suficiente. Recursos para execução e comprometimento da direção do canal são essenciais para o êxito de um projeto dessa magnitude.
Rosa Baiana
Vale lembrar que a Bandeirantes foi pioneira nesse formato de novelas gravadas fora de estúdios. Em 1981, a novela Rosa Baiana foi inteiramente registrada em externas, na Bahia, com apoio da Petrobrás, interessada em regulamentar a exploração marinha em plena expansão na região.
Os recursos financeiros provenientes da estatal viabilizaram essa ousadia, incluindo o aluguel de imóveis para garantirem os cenários integralmente reais, o deslocamento de toda a equipe do Rio de Janeiro e de São Paulo, além da contratação dos renomados profissionais como o autor Lauro César Muniz e o diretor Walter Avancini.
Porém, ironicamente, essa ousadia estrutural foi praticamente em vão. A emissora falhou na parte que lhe cabia: a escalação e contratação de elenco. Pecou pela ausência de atores de visibilidade. Esse segmento precisava de um aporte financeiro robusto para seduzir os atores a saírem da zona de conforto já que praticamente todos os grandes medalhões eram contratados de forma exclusiva e a longo prazo pela Globo, forma que ajudou a garantir a liderança e que foi mantida até recentemente descontinuada com a extinção de parte de seu banco de talentos.
Criação do Hábito
Como não adianta apostar todas as fichas nessa novela de forma isolada e imediata, é precisa segurar um pouco a exibição de Romaria. É necessário preparar o terreno com calma, fixando o horário e preenchê-los até lá com produções do gênero mais despretensiosas para criar o hábito de sua faixa de novelas. Apesar de oscilando em horários diversos dentro da faixa noturna, esse caminho já estava praticamente pavimentado com produtos estrangeiros.
Sem querer a Band antecipou esse boom nos streamings brasileiros por produções turcas, como: Mil e Uma Noites, Força do Amor, Amor Proibido, Asas do Amor e Minha Vida. Depois passou para a fase lusitana que ainda contavam com participações de atores brasileiros atuando em Portugal, como: Ouro Verde, Nazaré e Valor da Vida. Porém, mais uma vez houve a descontinuidade de um terreno que já poderia estar alicerçado para Romaria.
Histórico da Band em novelas
Após se tornar rede nacional na passagem para a década de 80 e com o espaço deixado pelo fim da pioneira TV Tupi, chegou a consolidar até três horários simultâneos de novelas próprias. Sua reestreia foi com Cara a Cara, de Vicente Sesso, responsável por trazer Fernanda Montenegro de volta às novelas após décadas.
Com o passe de Ivani Ribeiro, uma das maiores novelistas da história, também promoveu o retorno de Dercy Gonçalves à TV com Cavalo Amarelo e Dulcinéia Vai à Guerra. Ainda produziu outras obras memoráveis, como: as fases de Os Imigrantes, Os Adolescentes, Ninho da Serpente e Sabor de Mel, entre outras.
Após duas décadas de atuação, a Band extinguiu seu departamento de dramaturgia e, após os anos 2000, apenas algumas retomadas isoladas, sem continuidade. Numa dessas, investiu em estúdios no Rio de Janeiro para aproveitar a mão de obra local especializada.
Com as tramas adolescentes Florisbela e Dance, Dance, Dance quase fincou o pé no pouco explorado segmento jovem que só contava, na época com Malhação na Globo. Mais uma vez, foi prejudicada pela ansiedade por resultados imediatos, algo que praticamente inexiste no mercado televisivo.
Conheça Romaria
Transitando pela diversidade da fé brasileira, o projeto, que já está em desenvolvimento por Jayme Monjardim há quatro anos. Foi recusado e engavetado pela Globo, o que pode ser um sinal positivo. O maior sucesso da Manchete, Pantanal, também foi rejeitado pela líder, levando Benedito Ruy Barbosa e o próprio Monjardim a realizá-lo no outro canal.
A sinopse de Romaria está sendo escrita por Leticia Wierzchowski, autora do livro “A Casa das Sete Mulheres”, mas não da adaptação televisiva feita pela Globo. A falta de experiência da condutora com a carpintaria específica da televisão pode representar um risco. O projeto está alinhado com o modelo econômico atual de compartilhamento de conteúdo entre plataformas. Também será disponibilizado pelo streaming HBO Max.