Demissão de Bocardi deixa César Tralli sozinho na sucessão para o Jornal Nacional

Publicado em 03/02/2025

A demissão do jornalista Rodrigo Bocardi deixa o colega de emissora, César Tralli, praticamente sozinho no páreo para substituir William Bonner. Entre várias sugestões, a cúpula da Rede Globo enxergava somente nessa dupla a junção dos principais requisitos, embora ainda não houvesse um consenso sobre qual deles seria o mais habilitado.

A intenção era ter uma lista com mais perfis a serem preparados gradativamente para que a empresa não fique refém de imprevistos. Não há uma estimativa sobre quando deva ocorrer a dança das cadeiras no telejornal mais assistido do país. Mas movimentações já ocorrem para garantir uma transição gradativa e harmônica.

Como o processo em torno da saída do icônico Cid Moreira durou quase uma década, a esperança é que, até que essa nova troca seja efetivada, surjam novos talentos ou o amadurecimento dos atuais colaboradores.

Cautela é necessária para garantir precisão e evitar erros nesse longo e arriscado processo de seleção. Trata-se do exercício de um cargo estratégico e de confiança. O escândalo envolvendo possíveis desvios éticos de Rodrigo Bocardi só fez aumentar os critérios e o sigilo em torno do processo sucessório.

Longo preparo do sucessor

É preciso ir além das considerações e expectativas pessoais dos acionistas e diretores. É fundamental a boa aceitação pelo público e pelo mercado publicitário. Tanto que uma pesquisa de clima já formulada, aguardava apenas o passar do Carnaval para que circulasse. Seu resultado, ajudaria a tabular os pontos fortes e os que precisavam ser trabalhados nas imagens desses dois profissionais. Com a demissão de Bocardi, a sondagem foi suspensa até segunda ordem.

Para evidenciá-los, algumas medidas administrativas já estavam em prática. Embora já estivessem alocados nos comandos de importantes noticiários, suas presenças pontuais ficaram cada vez mais constantes nos demais noticiosos com o propósito de promover uma maior aproximação com os telespectadores de faixas horárias diversificadas.

Substituições nas folgas do Jornal Nacional

Outra estratégia importante era garantir constantes presenças no que poderia ser o futuro local de trabalho. Essa aproximação visa aumentar a desenvoltura, confiança e intimidade com o estúdio, redação e a equipe exclusivos do JN.

Mesmo passando por um período de austeridade e demissões, a Globo não economizou em passagens aéreas e hospedagens desses profissionais, já que ambos estavam baseados em São Paulo enquanto o principal telejornal é gerado do Rio de Janeiro.

Além de circularem pelos noticiários, a estratégia de promovê-los inclui presenças constantes em programas de auditório e entretenimento.

Impacto Bocardi

A empresa acionou seu poderoso arsenal de gestão de crise para tentar minimizar e sufocar a repercussão. Mesmo com o pronto afastamento não exime a estação de TV da chamada “responsabilidade solidária”. Isso porque a organização é a responsável pela seleção, colocação do funcionário nos cargos exercidos e também pelo controle e fiscalização da conduta.

Além de questões jurídicas, são inevitáveis os danos na credibilidade corporativa. Se num jornal local já provocou todo esse alvoroço, imagine a potencialidade se ele estivesse à frente do JN. Esse questionamento praticamente coletivo ecoa dentro da empresa.

A importância vital da credibilidade para os produtos jornalístico explica o cuidado maior da emissora com o caso Bocardi do que o demonstrado em outras demissões também motivadas por quebra de seu protocolo ético, como as do galã José Mayer e do diretor do núcleo de humor, Marcius Melhem.

Nesses exemplos citados a Globo não demonstrou o mesmo empenhado em abafar as repercussões ao ponto de informações sensíveis terem vazado para a imprensa ainda durante o processo de investigação interna.

A postura de não comentar acaba gerando uma enxurrada de especulações que poderiam ser minimizados com informações mais transparentes tanto por parte da emissora como pelo destituído “Rei das manhãs paulistas”. O depoimento evasivo do âncora com o protocolar agradecimento a sua empregadora e sem tocar nas acusações, só aguçou os boatos.

Por pouco não aparece na Globo após a demissão

O sigilo em torno da investigação realizada pelo setor de Compliance, além da inevitável surpresa, por questão de horas não causou um constrangimento ainda maior para a emissora e seu ex-funcionário. É que Bocardi tinha sido convidado por Serginho Groisman para participação no Altas Horas, a ser veiculado no sábado, primeiro de fevereiro.

Para garantir o máximo de atualidade, a gravação é feita às vésperas da exibição, atitude que não deixa margem para correções de imprevistos como este. Por pouco a emissora estaria diante do impasse de excepcionalmente não transmitir o programa naquele sábado ou convocar outra gravação às pressas, com seus devidos custos dobrados e queda na qualidade devido as dificuldades em conciliar as agenda de todos os envolvidos.

Devido à dinâmica de interação do Altas Horas e ao formato do cenário semelhante a um teatro de arena, ficaria inviável promover tantos cortes de edição tanto em falas como nas imagens captadas de Bocardi no estúdio. Isso provocaria a perda total do sentido narrativo e da continuidade do conteúdo.

Por ironia, a temática era sobre a responsabilidade na criação de conteúdos audiovisuais. Junto a influenciadores digitais, caberia ao jornalista demitido justamente a função de explicar a rotina e a postura ética exigida para o exercício da profissão. Sem o colega destituído, a missão caiu no colo das menos experientes Maju Coutinho e Rita Batista.

O risco da superexposição

Talvez o incidente com Bocardi leve o setor de marketing da emissora a reavaliar a trilha escolhida para trabalhar a popularidade dos potenciais substitutos para funções de destaque em seu jornalismo. Um erro na dosagem ou engatar por um caminho errado podem ser o fim da linha para uma trajetória profissional.

Como nos dias de hoje não basta apenas a competência, é compreensível que a Globo queira fomentar a popularidade de suas apostas. Mas precisa ter cautela e repensar as trajetórias utilizadas. Como é mais lento o crescimento orgânico dentro dos limites do próprio jornalismo, a estratégia para popularizar segue pelo mais ágil caminho do entretenimento expondo excessivamente os profissionais fora de seu ambiente de domínio.

Repetição do erro Maju Coutinho

Hoje em dia, qualquer deslize, má atuação, passo em falso, descontextualização, deturpação ou interpretação errônea podem resultar em memes, rates ou desencadear uma crise de reputação. No processo de fomentação da Maju Coutinho em sua promoção para o Fantástico, o marketing da empresa colocou em alto risco o investimento corporativo na funcionária assim como a carreira da moça.

Na busca desenfreada para angariar cada vez mais visibilidade a tornaram quase onipresente no vídeo. No entanto, a gota d´água foi sua escalação para comandar o complexo desfile das escolas de samba sem que ela tivesse o devido conhecimento de causa, vivência ou preparo para isso. As inevitáveis críticas prejudicaram a credibilidade da profissional.

Felizmente para o bem de todos conseguiram frear o processo de rejeição, mas as cicatrizes desse aranhão estão impressas seu currículo profissional. Estavam repetindo o mesmo exagero agora. Sem necessidade já que os dois âncoras já tinham impressas suas personalidades marcantes.

Elegância sutil de Tralli

César Tralli já se diferencia no vídeo pela sua natural elegância, digna de um lorde inglês e pela forma acolhedora com que reverencia seus colegas e telespectadores durante as interações nos noticiários sob sua apresentação. A reputação em torno de sua imagem já está pronta. Mas, pelas exigências atuais, não é suficiente para o necessário engajamento.

O ambiente contemporâneo é regido por influenciadores onde qualquer pessoa pode produzir conteúdo. A concorrência do profissional de imprensa não se restringe mais aos seus pares. A autoridade profissional não é mais necessariamente construída pela conduta.

Já é uma realidade na escalação de novelas e começa a chegar ao jornalismo os critérios de contratações baseados também em números de seguidores e na presença digital. Por isso, o trabalho de marketing em torno da atual transição no Jornal Nacional é muito mais complexo e tortuoso do que foi para a entrada de Bonner no comando do nobre noticiário.

Resguardo de Imagem

Para pesadelo dos marqueteiros as ferramentas para trabalhem a imagem de jornalistas são bem mais restritivas devido aos rígidos protocolos de conduta e ética. A própria demissão de Bocardi é um exemplo das consequências de travessar essa linha tênue.

Assim como Rodrigo Bocardi, Tralli também teve seu dia para degustar o apetitoso café da manhã de Ana Maria Braga. Fechou 2024 como destaque do Altas Horas. Bate ponto frequentemente no Domingão onde, por sinal,foi agraciado com o prêmio Melhores do Ano na Categoria Jornalismo.

O excesso de aparições em um ambiente não familiar gerou alguns registros que podem ser perigosos para quem almeja sentar na bancada do JN. Momentos em dancinha tipo TicToc, cantando com a esposa e exposição de momentos íntimos, em nada agregam a sua imagem como jornalista. São flagrantes que recortados e reproduzidos fora do contexto podem não ser bem aceitos pela parte conservadora que forma a maioria da audiência do Jornal Nacional.

Erro de Escalação

Pelo menos duas de suas recentes escalações para programa de Luciano Huck se mostraram equivocadas . Ele aparece como convidado de destaque na edição especial pela morte de Sílvio Santos para dar depoimento sem ter qualquer aproximação pessoal ou profissional com o empresário.

Ter trabalhado no início de carreira e por pouco tempo no SBT não o credencia para isso. Com sua grande visibilidade e recursos econômicos não é possível que a produção não despusesse de pessoas com histórias de interação mais interessantes com o mestre da comunicação.

Outro momento desnecessário foi a homenagem feita a ele ao dramático estilo “Essa é a sua Vida” originalmente lançado no Brasil pelo saudoso Jota Silvestre e constantemente copiado. A narrativa é formada pela conjunção de imagens, trilha sonora, depoimentos e recortes de fatos marcantes narrados dramaticamente por Luciano Huck com o nítido propósito de provocar o choro no convidado, no auditório e nos telespectadores.

Contou ainda com depoimentos da esposa – Ticiane Pinheiro, da sogra – Helô Pinheiro e da enteada- Raffaela Justos junto a exibições de imagens particulares que poderiam continuar privadas ao invés de compartilhadas com os milhares de espectadores dominicais.

Fizeram parte da seleção: beijo caliente, em traje de banho e seu casamento instagramável, que para muitos pode soar como um tipo de ostentação. Perderam a oportunidade de focar em coberturas significativas e entrevistas marcantes que não faltam em seu admirável currículo profissional.

Esposa Famosa

Chama a atenção nessa peregrinação pelos programas de auditório a companhia marcante da mulher, Ticiane Pinheiro, apresentadora da revista matinal Hoje em Dia. Além de seu carisma agregar pontos no projeto de reconfiguração da imagem do marido, é atuante e desenvolta no ambiente digital.

A sua constante presença no território global vem incomodando a direção da Record, que não está alheia às reais intenções da concorrente. Na atual circunstância, o principal entrave para alocar Tralli no JN é a adaptação do casal. Os dois possuem vidas profissional e familiar estabilizadas na capital paulista.

Ticiane acorda cedo para apresentar o diário matutino na Record. Para assumir as funções acumuladas por Bonner, o substituto terá que dedicar exaustivas horas para a nova missão, o que vai alterar a convivência familiar.

Discretamente, a emissora trabalha para “matar dois coelhos com uma cajadada só”. Com uma imensa demanda de produção, é interessante o reforço de seu time de talentos com a competente funcionária da concorrente.

E tendo os dois sob sua administração, fica muito mais fácil a transferência de Tralli da bancada do Jornal Hoje para o Jornal Nacional, já que a família Marinho não abre mão de que seu principal telejornal seja gerado de sua sede, no Rio de Janeiro.

Saída de William Bonner

Embora agora tudo pareça assentado, no ano passado o sinal de alerta soou diante dos fortes boatos sobre o cansaço de William Bonner, que acumula a função de editor-chefe. O clima não estava nada bom com os drásticos cortes financeiros e demissões dos profissionais mais experientes do jornalismo, boa parte deles alocados obviamente, no telejornal que tem um dos intervalos comerciais mais caros do país.

A emissora tem consciência do peso da responsabilidade deste cargo. Posição esta que se tornou altamente tóxica com o fenômeno do acirramento da bipolaridade política no Brasil. Pelo fato de ser o espaço jornalístico de maior ressonância no país, as críticas, pressões, acusações e assédios são maiores do que nos espaços concorrentes. São frequentes as acusações de favorecimento ou perseguição por ambos os lados, críticas ferrenhas, protestos e até agressões verbais e físicas dos jornalistas da Globo por extremistas.