Saúde

Especialista faz alerta sobre influenciadores que prometem dietas milagrosas

Indicações milagrosas na TV e redes sociais podem colocar milhares de pessoas em risco

Publicado em 13/06/2022

A busca pelo corpo perfeito e saudável é um hábito que nos acompanha desde os primórdios. Se na pré-história o corpo humano tinha a simples função da sobrevivência, nas outras Eras a beleza sempre nos pareceu fundamental, assim como a saúde algo vital para o bom funcionamento desses corpos.

Mas em nenhum outro período de nossa existência vimos tal obsessão para atingir um padrão estético estabelecido como hoje. Em todas as mídias é um dos assuntos mais procurados e oferecidos: de fórmulas milagrosas, passando por dietas e exercícios que prometem resultados satisfatórios, o menu é sortido.

Com o advento da internet e a proliferação de influenciadores, youtubers e afins, o tema sempre está em alta e segundo promessas, há soluções para todos os problemas de saúde, do passado e do futuro. É só seguir (e pagar, claro) as instruções e pronto.

Nos últimos tempos houve a “evolução” da espécie com o surgimento dos coaches nutricionais, acompanhados dos empresários do emagrecimento.

Tão messiânicos como os outros, esses agora navegam por outros mares além da nutrição e exercícios físicos; alguns já tratam a Genética, por exemplo, como um assunto corriqueiro, tal qual uma refeição low carb.

Há pouco tempo uma declaração de Maíra Cardi no programa de Rodrigo Faro na RecordTV causou polêmica. A ex-BBB é hoje uma das Coaches Nutricionais de maior sucesso no País; só na conta do Instagram são quase oito milhões de seguidores. Seus métodos de emagrecimento chegam a custar quase cinco mil reais e um post naquela rede social pode render o dobro no bolso da influenciadora.

Com tamanha audiência, qualquer fala dela pode viralizar, ajudar ou atrapalhar o entendimento sobre o tema, principalmente para o grande público alheio a informações tão complexas como a Genética, tratadas no programa de Faro:

“Eu fiz modulação epigenética antes de engravidar da Sophia. Como nem todo mundo sabe o que é, deixa eu fazer uma explicação breve. É quando você e seu marido mudam a alimentação antes da gravidez para zerar a genética de doenças. Câncer, diabetes, qualquer doença genética vem zerada. Aí o seu filho nasce sem nenhum gene ruim de doenças”, afirmou categoricamente para espanto do apresentador e certa indignação da comunidade científica.

Quando existe polêmica na área da saúde, o jornalismo é chamado para conversar com a ciência. A missão é esclarecer e separar o fato provado nos laboratórios das estratégias comerciais de venda. Para falar sobre esses coaches, informações falsas e também sobre os avanços da ciência na Genética, a coluna conversou com o Dr. José Antônio Diniz, CEO da ConectGene, empresa especialista em testes genéticos. Diniz também é Doutor em Saúde Pública pela Fiocruz.

LEANDRO EVANGELISTA – O que o Dr. pensa sobre esses coaches nutricional, ou ainda, os empresários do emagrecimento?

Dr. JOSÉ ANTÔNIO DINIZ – Eu tenho uma preocupação muito grande com pessoas que tentam vender solução fácil para problemas complexos. A obesidade é uma doença multifatorial, que até pode envolver alguns fatores genéticos, mas que principalmente é influenciada pelos hábitos de vida (ingestões calóricas, sedentarismo) e mesmo pelo ambiente social. O certo é que alguns coaches e empresários têm abusado da boa fé das pessoas que têm problemas para manter o peso. E isso é lamentável.

LE – É possível, através de hábitos e dietas, zerar ou diminuir doenças genéticas?

JAD – Como ação preventiva, com certeza, não! Já é possível silenciar genes de algumas doenças, inclusive doenças neurodegenerativas e provocar algumas melhorias nos sintomas, mas não preveni-las.

LE – Como a comunidade científica pode combater essas fake news?

JAD – É bom lembrar que a desinformação sempre existiu, mas com a internet e as mídias sociais o alcance e a velocidade com que as notícias falsas podem se disseminar é um fenômeno espantoso, assustador. Um estudo mal conduzido pode ter um impacto negativo grave na saúde pública e até mesmo um estudo bem conduzido pode ser distorcido para fazer as pessoas acreditarem em algo falacioso.

Exemplo notório é um estudo de 1998, de Wakefield et al. sobre uma possível ligação entre a vacina contra sarampo, caxumba e rubéola e o autismo (qualquer semelhança com a argumentação usada em relação à vacina da COVID e a AIDS é uma triste coincidência) que teve a publicação retirada de circulação em 2010 pelo fato de se tratar de um estudo não controlado, de amostra pequena, com conclusões especulativas, conflitos de interesse evidentes e suposta má conduta de violações éticas.

No entanto, uma pesquisa no Google Acadêmico feita em 2018 trouxe que referido artigo foi citado mais de 2.800 vezes. Algumas citações foram para demonstrar a falácia do estudo, mas outras não. Como esperar que o público leigo possa discernir melhor a qualidade dos estudos quando a comunidade acadêmica não o faz?

Isso produz resultados graves mesmo em sociedades desenvolvidas, como o fato de o número de casos de sarampo nos EUA ter aumentado expressivamente (de 23 para 667 casos em 2014) e da constatação, em 2016, de que um quarto dos pais franceses tinham uma percepção desfavorável da relação risco-benefício da vacina contra o sarampo. Ou seja, o artigo foi retirado de circulação, mas o estrago estava feito, mesmo 20 anos depois!

Dr. José Antônio Diniz, CEO da ConectGene, é Doutor em Saúde Pública pela Fiocruz (Crédito: Divulgação)

LE – Como tornar mais familiar para o grande público, como simplificar a linguagem de termos que parecem tão complexos como a modulação epigenética?

JAD – Se as pessoas pouco compreendem sobre genética, que dizer do conceito de epigenética e, mais ainda, modulação epigenética. É assunto técnico demais para ser banalizado e utilizado sem preocupação com as consequências. Querer simplificar um tema técnico é perigoso e arriscado demais.

LE – Quais são os avanços dos testes genéticos em relação à nutrição e às doenças associadas?

JAD – São grandes os avanços dos testes genéticos na predição das possibilidades de doenças e nas predisposições nutricionais. Mas é preciso ressalvar que genética não é destino; nós somos a nossa genética e aquilo que nós fazemos com ela através dos hábitos de vida. Exemplificando: se eu tenho uma predisposição genética a intolerância à lactose, posso me precaver evitando alimentos lácteos.

Mas pode acontecer também de, ao não fazer nada, não desenvolver qualquer problema. No caso das doenças, os testes genéticos são importantíssimos, mas há aspectos éticos a serem considerados quando a predição se der em uma doença incurável, como o Alzheimer, porque ao saber disso a pessoa pode associar um mero caso de esquecimento (que todos nós temos) à uma manifestação da doença.

LE – Quais as novidades que a ConectGene tem para o diagnóstico dos pacientes e também os avanços dos tratamentos oferecidos?

JAD – Um dos nossos testes importantes é endereçado aos bebês. Ele complementa o teste do pezinho (que analisa 6 doenças) analisando genes relacionados a mais de 340 doenças graves, silenciosas e, faço questão de evidenciar, tratáveis na primeira infância. Diferentemente do Alzheimer, que exemplifiquei como doença, não é tratável.

O caso do retinoblastoma, que recentemente se manifestou na bebê do Tiago Leifert, se detectado precocemente no teste genético Baby Vip que oferecemos tem chances altíssimas de cura, diferentemente de quando detectado lá pelo terceiro ano de vida, como foi o caso.

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