Entrevista

De olho nos novos hábitos do público, Aguinaldo Silva deve evitar encheção de linguiça em Três Graças

Escritor também falou sobre o remake de Vale Tudo, cuja versão original escreveu, e a origem da nova história para a faixa das 21h

Publicado em 14/02/2025

Aguinaldo Silva escreveu grandes sucessos da teledramaturgia brasileira, como Roque Santeiro (1985-1986) – com Dias Gomes -, Pedra Sobre Pedra (1992), Senhora do Destino (2004-2005) e Tieta (1989-1990), sucesso na reprise que está em cartaz no Vale a Pena Ver de Novo. De volta à TV Globo e à faixa das 21h no segundo semestre com Três Graças, o novelista demonstra estar de olho nos novos hábitos do público e entende que precisa desenvolver o enredo de forma dinâmica.

“Você tem que lembrar que está concorrendo com TikTok. Não pode fazer aquelas cenas longas. Nesta nova novela, logo no começo tem um jantar que reúne duas famílias ricas em torno de um determinado assunto. Chegou a hora de escrever. E aí pensei: ‘Mais um jantar? Ah, não, vou fazer acontecer alguma coisa, e o jantar não acontece’. Isso que fiz”, contou em entrevista à coluna Play, da jornalista Anna Luiza Santiago, do jornal O Globo.

“Morre um parente de um dos personagens, e o jantar é um desastre total. Hoje em dia você tem que tomar cuidado com aquelas sequências de almoço, as pessoas conversando trivialidades… Não pode perder tempo. Tem que ser curto e grosso. É a minha opinião, não falo em nome do gênero. Aprendi com as séries. Sou completamente viciado. Na pandemia acompanhei tudo”, declarou o escritor.

“Acho que, na fase áurea das novelas da Globo, havia uma conjunção de fatores que fazia com que elas funcionassem. Um fato muito importante que a gente não pode deixar de levar em conta é que as pessoas só tinham as novelas”, relembrou Aguinaldo. “Não havia TikTok e essas coisas todas paralelamente. Ela não é mais a senhora absoluta do destino. Hoje tem que concorrer com muita coisa. Dificilmente haverá um sucesso tão extraordinário como era rotina acontecer. Foi uma época mágica que não vai se repetir nunca mais”.

O novelista também reafirmou que não convidou nenhum ator para o elenco de sua nova obra, ao contrário do que foi dito recentemente a respeito de José Mayer e Betty Faria. “Não sei de onde saiu uma história sobre convite ao José Mayer. Eu sei que ele não quer trabalhar. Não fiz convite algum. Nem para ele nem para Betty Faria. Estou preocupado em escrever. Houve época em que autores escalavam. Agora, muito justamente, é um trabalho de uma equipe”.

Inicialmente, Aguinaldo desenvolveu durante a pandemia uma sinopse de minissérie, que girava em torno do roubo de um cofre, e logo contou com a parceria de Zé Dassilva e Virgílio Silva como coautores porque chegou-se à conclusão de que o projeto poderia gerar uma novela. Uma nova sinopse foi criada, um agente apresentou-a à TV Globo e durante quase um ano não houve resposta.

“Disseram que tinham gostado muito e perguntaram se eu poderia escrever o primeiro capítulo. Escrevi, eles também gostaram e pediram mais cinco. Por aí foi. Assinamos contrato e estamos os três a trabalhar”, disse Aguinaldo, que também explicou de onde surgiu a inspiração para o desenvolvimento de Três Graças: a visita a uma maternidade no Rio de Janeiro.

“Havia uma fila de grávidas esperando atendimento. Percebi que a maioria não tinha 18 anos. Fiquei chocado. Pensei em um dia escrever sobre pessoas que engravidam muito cedo de homens que não assumem a responsabilidade. A ideia ficou guardada no meu cofre de futuras histórias. Até que saiu agora. A novela tem uma linguagem bastante popular”, explicou. A imagem da maternidade com uma série de mães bastante jovens é citada por Aguinaldo numa entrevista ao Projeto Memória Globo, publicada no livro Autores: Histórias da Teledramaturgia, lançado em 2009.

Três Graças entraria no ar apenas em meados de 2026, mas foi antecipada e vai substituir Vale Tudo em outubro deste ano, se nada mudar. Isso se deve ao fato de que Aguinaldo está mais adiantado no trabalho do que Glória Perez, que inicialmente substituiria Manuela Dias. Falando nela, o veterano afirma não ter sido procurado por Manuela para falar de Vale Tudo, de cuja primeira versão ele é o único autor vivo – Leonor Bassères morreu em 2004 e Gilberto Braga, em 2021 – e sente ciúme.

“É complicado falar porque sou completamente apaixonado por Vale Tudo. Foi um dos momentos mais mágicos da minha vida. Tudo dava certo. Não vou negar: como único autor vivo da novela, tenho certo ciúme. Mas estou com expectativas, quero ver, porque, claro, é outra época. Outros tempos, outros costumes”, afirmou Aguinaldo.

“Evidentemente, não pode ser exatamente como foi naquele momento. Mas é uma grande história. Certamente a Manuela vai fazer um trabalho incrível. Estou querendo ver. Com ciúmes, mas estou (risos). Ela não chegou a me procurar, e acho que fez bem. É a versão dela”, complementou.

Na entrevista, Aguinaldo Silva afirmou que não faria remakes, novas versões de obras já conhecidas do público. “Você vê: Tieta, de 1989, está no ar agora. As pessoas estão amarradas na TV à tarde para assistir. A novela acontece naquele momento. É uma coisa mágica. Funciona ou não. Fico com medo de ver remakes por causa disso, porque aí já não é mais aquela novela, é outra. Tem outro elenco, outra direção, outro tom. Vou ser bem sincero: não sou fã de remakes. Mas eles são feitos e funcionam, né?”.