No momento em que o Brasil celebra o bicentenário da proclamação de sua Independência, o diretor Luiz Fernando Carvalho estreia na TV Cultura, justamente em 7 de setembro, a minissérie Independências, que trata desse importante e controverso momento da nossa História.
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Criado com exclusividade por Luiz Fernando para a emissora pública, o projeto é resultado de um ano e meio de trabalho, entre pesquisa, criação e realização, e conta com 16 episódios, que serão exibidos semanalmente até o final de 2022.
A pesquisa inicial foi realizada pelo jornalista José Antonio Severo. Luiz Fernando Carvalho desenvolveu a minissérie em parceria com Luís Alberto de Abreu, companheiro de outros trabalhos, como Hoje É Dia de Maria (2005), A Pedra do Reino (2007) e Capitu (2008).
O texto é de Luís Alberto, com roteiro de Paulo Garfunkel, Alex Moletta e Melina Dalboni. Os colaboradores são Kaká Werá Djecupé, Ynaê Lopes dos Santos, Cidinha da Silva e Tiganá Santana. Ao professor Niyi Monanzambi, da Universidade Federal da Bahia (UFBA), coube a tradução do texto para o kimbundu, quando necessário.
“Sempre acreditei na função das TVs abertas, especialmente a TV Cultura, que são concessões públicas, veículos fundamentais e de imensa responsabilidade, capazes de abraçar uma missão maior, que é a de não se restringirem simplesmente a seduzir telespectadores, mas, sim, caminhando de mãos dadas com educação, contribuírem na formação dos cidadãos”, conta Luiz Fernando Carvalho, cujo currículo reúne mais de 35 anos de uma carreira repleta de êxitos na televisão aberta e no cinema.
Entre esses trabalhos, além das minisséries já citadas temos outras, como Os Maias (2001), da obra de Eça de Queiroz, adaptada por Maria Adelaide Amaral, e novelas como Renascer (1993), O Rei do Gado (1996), Esperança (2002), Meu Pedacinho de Chão (2014) e Velho Chico (2016) – todas da rica parceria de Luiz Fernando com Benedito Ruy Barbosa.
“Identificamos inúmeros pontos de convergência entre o olhar de Luiz Fernando Carvalho para o audiovisual brasileiro e a nossa concepção e crença de TV Pública. Nestes dois anos de gestão, notamos o crescimento de audiência da TV Cultura, o que comprova que é possível fazer televisão aberta com bom conteúdo e comprometida com as premissas de nosso estatuto que são a educação, a informação, cultura e entretenimento com qualidade”, diz José Roberto Maluf, Presidente da Fundação Padre Anchieta.
A história que a História não conta
O projeto partiu da necessidade de se recontar o Brasil através de uma releitura que se convencionou chamar de Nova Historiografia. A ideia central de Luiz Fernando Carvalho é reivindicar a participação de um enorme conjunto de saberes, culturas, subjetividades e personagens que foram postos à margem ou que, violentamente, foram apagados pela história oficial.
Entre estes desmoronamentos históricos, observa-se a importância do protagonismo feminino na Independência do Brasil, como o da própria Leopoldina, artificie central no processo da Independência. Surgem figuras como Maria Felipa, cuja participação foi referencial na luta pela independência da Bahia, e o Padre José Maurício, maestro negro da Corte Imperial, mas ausente dos registros tradicionais.
Na visão do diretor, a minissérie oferecerá aos telespectadores de todo o País a consciência de acontecimentos e personagens reais que até então se encontravam submersos, escondidos pelo manto de uma didática tida como versão absoluta pela visão eurocêntrica.
“Através de uma fabulação de vozes múltiplas, avistaremos um país nascido sob o signo da pluralidade. É uma escavação. Iremos escavando em busca do passado, reencontrando fantasmas nas salas do império, colonialismo, violência social, autoritarismo e escravidão. Fantasmas que, infelizmente, ainda se manifestam no presente como prática arraigada. Sem esta reflexão sobre a constante atualização do colonialismo histórico e suas estruturas de poder, me parece uma falácia pensarmos a ideia de um futuro, um país mais belo e justo para todos”, afirma Luiz Fernando.
Independência ou Golpe?
O desejo de falar sobre o Brasil do século 19 habita a criação de Luiz Fernando Carvalho há tempos. Ele já tratou da época em Os Maias e Capitu, mas, enquanto a primeira se passava em Portugal, a segunda apresentava um conflito intimista. Desde então, o diretor buscava falar sobre esses primeiros anos de um século tão fundamental para entender o Brasil de agora.
“Eu talvez possa afirmar que se trata de um trabalho atual, não de época. Nosso presente está repleto de passado. Me parece fundamental fazermos essa ponte entre nossas fundações e os desdobramentos que ocorreram nos séculos seguintes. O século 19 foi um período estrutural, iniciando avanços e tragédias com as quais lidamos até hoje. A história do Brasil sempre nos foi contada de forma romantizada, quando, na verdade, é trágica, bárbara, marcada por golpes e genocídios que precisam ser iluminados”, declara o diretor.
Nova dramaturgia histórica
“Através de meus trabalhos, sempre me pergunto: Que país é esse? Agora se faz necessária a atualização dessa interrogação”, afirma Luiz Fernando, que aponta para o uso de informações atuais no roteiro.
É o caso do envenenamento de Dom João VI, que só foi confirmado no início dos anos 2000, após a exumação de seu cadáver. É um fato que altera a história oficial e que vai impactar diretamente na ‘nova dramaturgia histórica’ proposta pela minissérie. Antonio Fagundes interpreta o pai de Dom Pedro I.
“Nos tempos de hoje, onde a linguagem internacionalizada dos streamings se torna cada vez mais presente no cotidiano das pessoas, o convite da TV Cultura é um enorme desafio: refazer o diálogo entre entretenimento e educação. Não vejo como poderia um diretor realizar seu trabalho sem sentir a necessidade de enfrentar os desafios éticos e estéticos do seu tempo. Se faz necessário aos artistas e especialistas que trabalham no veículo pensarem numa nova função para a televisão aberta. Esta nova função estaria, no meu modo de sentir, diretamente ligada à educação e, portanto, a uma produção de consciência e reeducação dos sentidos através de conteúdos relevantes”, pontua o criador do projeto.
Elenco de Independências
Além de Antonio Fagundes, um dos primeiros artistas divulgados como integrantes do projeto, Independências tem um elenco selecionado, que conta com Walderez de Barros, Renato Borghi, Maria Fernanda Cândido, Pedro Paulo Rangel, Jussara Freire, Cacá Carvalho, Léa Garcia, Marat Descartes, Fafá de Belém, Margareth Menezes, Daniel de Oliveira, Louisa Sexton, Isabél Zuaa, Ilana Kaplan, Gabriel Leone, André Frateschi, Cassio Scapin, Carol Badra, Katia Daher, Zahy Guajajara, Mauro Schames, Celso Frateschi, Plínio Soares, Wilson Rabello, Fernando Neves, Flávio Tolezani, Sergio Silviero, Zé Renato Forner, Alli Willow, Rodolfo Vaz, Ermi Panzo, Rafael Cortez, Bruna Miglioranza, Odilon Esteves, Sergio Mastropasqua, Fernando Nitsch, Luís Mármora, Marcelo Andrade, Dani Ornellas, Rogério Brito, Tay Lopes, Darcio de Oliveira, Marcelo Diaz, Juliana Sanches, Liz Baskerville, Alana Ayoká, Marcela Vivan, Verônia Mucúna, Jamila Cazumbá e Ywy’zar Guajajara.
A missão da TV aberta
O projeto Independências retoma a missão da TV aberta na concepção de Luiz Fernando Carvalho, que encontrou eco nos valores da atual gestão de José Roberto Maluf na TV Cultura.
“Minha busca é por oferecer ao homem comum, simples e fraterno, uma televisão que privilegie a inteligência e a sensibilidade de todo um país, sem com isso abrir mão do espetáculo. Enxergo a dimensão que a televisão alcança e tratá-la apenas como diversão me parece bastante contestável. Precisamos de diversão, mas também precisamos nos orientarmos e entender o mundo”, analisa o diretor.
“A TV Cultura tem em seus mais de 50 anos de história um DNA ligado às produções de teledramaturgia não convencionais. Pela TV Cultura já passaram nomes como Antunes Filho, Antonio Abujamra, Ademar Guerra, Walter George Durst e, mais recentemente, Fernando Meirelles. A chegada do Luiz Fernando Carvalho à nossa emissora é uma reconexão dessa história da TV cultura e suas origens”, diz Enéas Carlos Pereira, Vice-presidente Executivo e Diretor de Programação da TV Cultura.