Não tivesse saído de cena no último domingo, 04, Férias, a comédia que reuniu Drica Moraes e Fábio Assunção sobre o palco do Teatro Procópio Ferreira, em São Paulo, provavelmente abriria uma nova matinê além da de sábados a julgar pelo público não só que lotou o espaço com capacidade para mais de 600 pessoas, mas que precisou ir embora sem conseguir ingressos.
Veja também:
O fenômeno se explica sim pelos dois nomes que emolduram o cartaz. Drica Moraes e Fábio Assunção são dois dos nomes mais populares de suas gerações na TV brasileira. Contudo, Férias talvez fosse um sucesso também não fossem os dois nomes que encabeçam a produção.
O texto de Jô Bilac parte de uma premissa simples – um casal que vai celebrar suas bodas de 25 anos em um cruzeiro – para fazer um tratado sobre a comédia popular. Todos os signos do gênero estão presentes, desde piadas de cunho explicitamente sexual, passando por temas como escatologia, lisérgicos e a visão dos costumes.
São tópicos que ao longo do século 20 ajudaram a dar forma a uma linguagem brasileira de humor, de onde saíram alguns dos nomes mais importantes da cultura das artes do Brasil, de Procópio Ferreira (1898-1979) a Heloísa Périssé, passando Marília Pêra (1943-2015), Miguel Falabella, Guilherme Karam (1957-2016), Cláudia Raia e, claro, Drica Moraes, um dos principais expoentes do gênero ao longo das décadas de 1990 e 2000.
Padrão estabelecido, não é raro encontrar espetáculos que mergulham nestes tópicos em busca de um riso garantido sem jamais ambicionar voos maiores. Assim, as comédias de costumes foram ganhando contornos cada vez mais popularescos que até atingem a meta de fazer graça, mas resultam esquecíveis.
Férias, pode-se ler assim, é um resgate deste humor já enraizado em um processo que busca não só virá-lo do avesso, como também proporcionar ao público a chance de imprimir sua própria graça nas ações de um casal que se redescobre sexualmente aos 50 anos e vai em busca de novas aventuras.
Nesta seara, Drica Moraes nada de braçada neste seu retorno aos palcos de São Paulo após quase uma década. Com um tempo de comédia refinado, a atriz estabelece uma conexão e um diálogo imediato com o público, o que contribui para a fluidez do espetáculo que ao longo de uma hora e meia jamais soa cansativo.
Seja em (bons) números de plateia, seja divagando sobre as dores e delícias do envelhecimento, Moraes leva o público a um mergulho legítimo nas fragilidades que acometem uma relação longa, independente do amor que ainda possa existir dentro de um casal.
Fábio Assunção, por sua vez, assume (bem) o papel de escada, sem grandes arroubos interpretativos, mas dando a cama ideal para que a história se desenvolva no tempo próprio da comédia. Mérito da direção dividida entre Debora Lamm e Enrique Diaz, que conduzem seu casal de atores a um processo de confiança no texto e naquilo que o teatro tem melhor a oferecer: o jogo com o público.
É a partir deste bate-bola com a plateia, representado bem pelo (bom) desenho de luz de Wagner Antônio e de forma não tão eloquente pelo figurino de Antônio Medeiros e pelo cenário de Dina Salém Levy, que Férias acende uma faísca pelo ressurgimento das comédias populares capazes não só de nivelar o público por cima, mas de propor discussões que, no fim, ainda retornam à clássica máxima de provocar reflexões a partir do riso, mesmo que sejam reflexões íntimas acerca do indivíduo.
COTAÇÃO: * * * * ½ (ÓTIMO)
SERVIÇO:
Este espetáculo está fora de cartaz.