Crítica

Bom elenco e segundo ato enérgico atenuam irregularidades de Priscilla – A Rainha do Deserto

Ao longo de quase três horas, obra engata em seu terço final revelando as fragilidades do material base

Publicado em 06/08/2024

Já era presumível o sucesso de público e as múltiplas sessões esgotadas de Priscilla – A Rainha do Deserto, musical em cartaz no palco do Teatro Bradesco, na Pompeia, região oeste da capital, que tem como base o filme homônimo de 1994 – que angariou status cult ao longo da década graças à força das reprises na TV.

A despeito de ser protagonizado por Reynaldo Gianecchini, ator formado pela escola do audiovisual e acostumado a encher plateias nos espetáculos que protagoniza, Priscilla já seria sucesso se levado em conta não só o filme, mas a bem sucedida montagem que há 12 anos ocupou o mesmo Teatro Bradesco.

Ainda que separadas por mais de uma década, ambas as montagens carregam o mesmo ativo: a excelente trilha alicerçada em clássicos da disco music, cujo auge entre as décadas de 1970 e 1980 legou à posteridade canções como I Will Survive (Freddie Perren/ Dino Fekaris, 1978) e I Love The Nightlife (Alicia Bridges/ Susan Hutcheson, 1977), ambas no roteiro da montagem. Mesmo incursionando pelos anos 1990, são as duas décadas anteriores que reinam na seleção e, por isso, fazem do espetáculo um chafariz de público ao redor do mundo desde a estreia de sua primeira adaptação em 2006, na Austrália.

Algumas mudanças no texto e nas canções fizeram com que o espetáculo ganhasse mais agilidade e proximidade com as plateias quando chegou aos West End, em Londres, em 2009, e à Broadway, em Nova York, em 2011, tendo entre seus produtores e consultores dramatúrgicos a cantora e atriz Bette Midler.

Não é a versão enxuta que retorna aos palcos da cidade. Ainda que simpática, a nova produção toma como base a obra original com os acertos e problemas que isso acarreta, sendo o mais grave a falta de dinamismo dramatúrgico do primeiro ato, que precisa lidar com uma seleção imensa de questões a serem estabelecidas, sem jamais conseguir expô-las de forma satisfatória.

Reynaldo Gianecchini, Diego Martins e Verônica Vallentino em Priscilla – A Rainha do Deserto | Foto: Caio Gallucci

Fica pouco claro os motivos que levam o protagonista, Anthony (Giannecchini), a entrar em crise com sua persona drag, Mitzi, assim como se estabelece de forma muito frágil a relação conflituosa entre Adam/ Felicia (Diego Martins) e Bernadette (Verônica Valentino, que alterna o papel com Wallie Ruy), apresentada como alívio cômico nem sempre eficaz.

Falta energia à primeira metade do espetáculo, que nem mesmo com números costumeiramente certeiros como It’s Raining Men (Paul Jabara/ Paul Shaffer, 1982) e Go West (Jacques Morali/ Henri Belolo/ Victor Willis, 1979) consegue amenizar a impressão de que algo esteja fora de ordem.

A direção do inglês Mariano Detry não injeta dinamismo à obra, confiando excessivamente em um material base que nem sempre se mostra à altura da história que quer contar e das canções que o cercam. 

Não há qualquer traço inventivo, esvaindo até mesmo a força de um de seus maiores atrativos, as divas interpretadas por Amanda Vicente, Luci Salutes e Cláudia Noemi, que parecem não ter os caminhos necessários para a explosão musical representada pelas personagens, resultando em participação insossa – impressão que nem mesmo a direção musical de Jorge Godoy consegue dissipar.

Melhor resolvido, o segundo ato injeta a força e o dinamismo que faltaram à primeira parte do espetáculo, propondo não apenas as resoluções da trama, mas momentos realmente tocantes, como a relação entre Bernadette e o mecânico Bob (Fabrizio Gorziza, ótimo no papel). 

As cenas de Gorziza e Valentino injetam ternura à montagem, que culmina com as boas participações de Andrezza Massei e Rodrigo Thomaz (que alterna o papel do jovem Benji com Nico Takaki e Matheus Vicente).

Verônica Vallentino e Reynaldo Gianecchini em Priscilla – A Rainha do Deserto | Foto: Caio Gallucci

Gorziza, Massei e Thomaz formam os destaques entre os coadjuvantes da produção encabeçada por Giannecchini, Valentino e Martins. Sucesso na pele de Kelvin, da novela Terra e Paixão, da TV Globo, Diego Martins tem bons momentos na pele da drag Felicia, enquanto Verônica Valentino mostra uma nova face em registro mais leve, cômico e caricato, a afastando da força propulsora de Brenda Lee no Palácio das Princesas, espetáculo que a alçou ao primeiro time do teatro musical brasileiro.

A dupla é o destaque da montagem, que traz um Gianecchini pouco à vontade com seu papel e, sem a voz talhada para o canto, pouco faz por sua personagem, aprofundando a sensação de irregularidade de Priscila – A Rainha do Deserto, que se sustenta graças a seu elenco coadjuvante e ao excelente trabalho da ficha técnica. Luz (assinada por Warren Letton) e figurino (Fábio Namatame, inspirado) cumprem papel de acentuar os pontos fortes e as irregularidades de um musical que tem a sorte de contar com um dos melhores catálogos da música internacional para contar sua história.

COTAÇÃO: * * * (BOM)

SERVIÇO:

Priscilla – A Rainha do Deserto

Data: 07 de junho a 01 de setembro (qui. a dom.)

Local: Teatro Bradesco – São Paulo (SP)

Endereço: Rua Palestra Itália, nº 500, Perdizes, região oeste (3º andar do Bourbon Shopping)

Horário: 20h (qui. a sáb.); 16h (sáb. e dom.)

Preço do ingresso: R$ 21,18 (meia) a R$ 400 (inteira)