Resistir ou sucumbir? Questionar ou assentir? Extravasar ou reprimir? Os dilemas da juventude são, em sua essência, atemporais. Jogados à luz do contexto histórico, as questões ganham, por vezes, outro sentido.
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O ano é 1970, estamos no Rio de Janeiro. A revolução dos costumes a pleno vapor, facilmente notada no comprimento da minissaia dos brotos, no discurso libertário de Leila Diniz impresso nas páginas de O Pasquim. Pelas ruas da cidade, a rapaziada também conduz outra revolução: nas provocações pichadas nos muros da cidade e nos gritos abafados contra a ditadura, a busca pela liberdade.
A estudante de Letras Alice (Sophie Charlotte) e o jovem residente em Medicina Renato (Renato Góes) carregam esse desejo em si. Ela questionando o pensamento conservador da família, que quer limitar as mulheres ao papel de boa esposa e mãe; ele, acreditando que sua forma de transformar o mundo é pela vocação de cuidar do outro, independentemente de ideologias. Mas quando seus caminhos se cruzam, os dilemas são ressignificados numa história de amor: da ruptura inesperada, a impossibilidade de viver um sonho que é só dos dois. Se o amor liberta, por que não lutar por ele? Qual é o grilo?
É 21 de junho, final da Copa do Mundo. É tri! A alegria em verde e amarelo num triste contraste com as cores sombrias do período. A história de Alice e Renato está só começando. E a História também vai alterar o rumo natural desse amor.
De Angela Chaves e Alessandra Poggi, com direção artística de Carlos Araújo, ‘Os Dias Eram Assim’ é um drama amoroso clássico, ambientada entre as décadas de 1970 e 1980. “A trama nasceu da vontade de contar uma história de amor forte como o tempo e apesar do tempo”, introduz Angela, sobre a relação dos protagonistas, afetada pelo contexto histórico. “Vamos acompanhar suas vidas atravessando os anos de chumbo, passando pela anistia política e chegando até a campanha pelas Diretas Já, em 1984, ano em que a maior parte da trama se concentrará”, completa Alessandra. A supersérie estreia no dia 17 de abril.
Presos na incompreensão, livres pelo diálogo
Na confortável cobertura do industrial Arnaldo Sampaio Pereira (Antonio Calloni), em Ipanema, a estudante de Letras Alice (Sophie Charlotte) nunca foi a filha favorita. A bem da verdade, sua irmã mais nova, Nanda (Letícia Braga/Julia Dalavia), sempre se esforçou mais para merecer o título. Em favor da aparente harmonia, a caçula prefere não contrariar os pais e se coloca ao lado do patriarca, o poderoso dono da construtora Amianto, nas discussões familiares. Arnaldo é autoritário e acha que é com pulso firme que se mantém uma família unida. Ironicamente, no entanto, esse comportamento fez com que o único irmão e sócio, Toni (Marcos Palmeira), se afastasse dele.
Amorosa e ponderada, Alice sabe que Nanda não faz por mal. Ainda é pequena para entender que a pressão a que ela e a mãe, Kiki (Natália do Vale), são submetidas também a vitimizará no futuro. Com a socialite, porém, o papo é de mulher para mulher: ela não deveria aceitar a maneira desrespeitosa com a qual Arnaldo, por vezes, lhe trata. Mas Kiki ama a família. E prefere se entupir de calmantes a ver a sua ruir.
Numa antiga casa de vila em Copacabana, o jovem médico Renato Reis (Renato Góes) foi criado num ambiente de reflexão, amor e liberdade. Filho de um professor universitário e da dona da livraria Egalité, Vera (Cássia Kis), ele decidiu dividir com a mãe a responsabilidade pela família após a morte do pai. Mais velho dos três filhos, ele orienta e protege os mais novos, os estudantes Gustavo (Gabriel Leone) e Maria (Carla Salle). É pelo diálogo que eles resolvem as diferenças e as questões familiares. Mas até quando?
Alice e Renato. Duas famílias, dois mundos distintos. Vidas que se encontrarão pela divergência e pelo amor.
Histórias cruzadas pelo conflito
A história começa horas antes de o Brasil entrar em campo contra a Itália pela final da Copa. Em sua casa, em Copacabana, Renato (Renato Góes) aguarda ansioso o início da partida. Os planos de acompanhar ao lado da família o jogo que daria o tricampeonato mundial à seleção canarinha são frustrados quando recebe uma ligação do hospital no qual faz residência. Um colega de trabalho faltou ao trabalho e ele terá que substitui-lo.
O irmão de Renato, o estudante de Filosofia Gustavo (Gabriel Leone), também não pretende ver o jogo em casa. Escondido da família, ele decide aproveitar que todas as atenções do país estão voltadas para a final da Copa para promover um ataque contra a construtora Amianto. A empresa é uma notória financiadora de grupamentos de repressão e ostenta, em sua fachada, uma faixa com dizeres a favor do governo militar. Sem revelar suas intenções, Gustavo pega carona com o irmão e segue ao encontro de Túlio (Caio Blat), um jovem radical em suas convicções ideológicas.
É aí que o caminho da família Reis começa a cruzar com o da família Sampaio Pereira. Já na emergência do hospital, Renato se vê obrigado a fazer o parto de Monique (Letícia Spiller), mulher de Toni (Marcos Palmeira). Apesar da relação conflituosa com o irmão Arnaldo (Antonio Calloni), ele não se furta em chamá-lo quando se dá conta de que a mulher corre risco de morte. Monique está grávida de seu terceiro filho e sabe que as dores que sente não são normais. Desesperado, Toni acredita que o industrial possa ajudá-lo na transferência para um hospital especializado.
Arnaldo deixa os convidados da festa que promove em sua cobertura para auxiliar o irmão. Ao chegar ao local, no entanto, Renato já controlou a grave hemorragia que Monique sofreu após dar à luz a pequena Esperança (Manu Papera/Kiria Malheiros). A transferência não é recomendada, mas Arnaldo a exige. O tom agressivo do empresário faz Renato se impor: ali, a autoridade é ele. Constrangido com o entrevero, Toni acaba apoiando Renato, a quem convida para apadrinhar a recém-nascida.
A alguns quilômetros dali, na entrada da construtora de Arnaldo, Gustavo e Túlio se preparam para o ataque. O estudante de filosofia quer pichar palavras de ordem contra a ditadura. Mas Túlio acha pouco: com um explosivo de fabricação caseira, planeja mesmo destruir parte da fachada do edifício da empresa. E o faz.
É a gênese da relação divergente entre as famílias Reis e Sampaio Pereira, que vai acabar dando contornos dramáticos à história de amor entre Renato e Alice.
O amor que mitiga o conflito
“Amor é diferente. Não me pergunta como é, que eu também não sei”. É numa conversa com a irmã caçula, Nanda (Letícia Braga/Julia Dalavia), no mesmo 21 de junho de 1970, que Alice (Sophie Charlotte) revela a frustração. Ainda que namore há anos o jovem advogado Vitor (Daniel de Oliveira), ela nunca esteve próxima de sentir o que é amar. O comportamento do namorado, braço-direito de seu pai na construtora Amianto, também não tem ajudado: não é de hoje que ele tem se revelado um homem conservador e possessivo. Alice sente que o relacionamento já deu o que tinha que dar.
Quando resolve sair escondida de casa para assistir ao jogo do Brasil com a melhor amiga, a estudante de jornalismo Cátia (Bárbara Reis), Alice quer apenas fugir do ambiente familiar opressivo. Esfriar a cuca. Mas quando se vê diante de Renato (Renato Góes) todos os planos mudam: será que é isso o que chamam de amor?
Renato e Alice se conhecem por acaso num bar, após a conquista do tri. Ele tinha planejado se encontrar com o irmão, Gustavo (Gabriel Leone), após o plantão no hospital; ela aparece no local com a melhor amiga, Cátia (Bárbara Reis), namorada de Gustavo. Alice não sabe, mas Renato já a conhecia: o médico havia visto a garota fugindo de seu apartamento pela janela, descendo por andaimes de uma obra, quando seguia para o hospital, horas antes.
A coincidência aumenta o encantamento: é ali, naquele clima de festa em verde e amarelo, que começa o romance. O que eles não poderiam imaginar é que vivê-lo não seria fácil. Os dois ficam juntos por poucos dias, mas esse encontro é arrebatador ao ponto de mudar suas vidas para sempre.
À primeira vista, recíproco, intenso e desmedido, o amor de Renato e Alice sofrerá inúmeras provas, mas nem o conflito entre as famílias nem Vitor, que age para separar o casal, será capaz de aplacá-lo.
Vitor e Cora: vilanias em família
Vitor Dumonte (Daniel de Oliveira) é braço-direito do severo e conservador Arnaldo (Antonio Calloni). Hábil, ambicioso e ardil, ele se acostumou a fazer uma espécie de jogo duplo para não desagradar nem o futuro sogro nem a estudante de Letras. Para o industrial, se faz passar pelo homem responsável que vai colocar a filha dele na linha. Para Alice, ele é o homem conciliador que acalma a fera.
No dia 21 de junho, no entanto, a estratégia de Vitor falha e Alice, após discutir com a família, acaba fugindo de casa. O episódio preocupa a mãe do advogado, Cora (Susana Vieira). Esperta e articuladora, Cora vem alertando que Alice, há tempos, tem se comportado de forma desinteressada pelo relacionamento. Assim, pressiona Vitor a agilizar o pedido de noivado antes que seja tarde demais.
O casamento de Vitor e Alice é para Cora a chance de recuperar o poderio financeiro da família Dumonte. Herdeira de tradicionais fazendeiros da época de ouro do café, ela viu sua herança minguar com o passar das gerações ociosas. Hoje, vive do sobrenome e do salário do filho na construtora, o qual, nem de longe, dá para manter o padrão de vida ao qual esteve acostumada.
Vitor acha que o rompante de Alice será facilmente contornável. Sempre o é, ele diz. O que ele não poderia esperar é que, em poucas horas, a namorada voltasse para casa diferente e determinada, como nunca havia visto. Quando o advogado se dá conta de que outro homem, Renato (Renato Góes), entrou na vida de Alice de um jeito que ele não foi capaz de fazer, acaba colocando para fora o pior de si: dissimulado, vai fingir entender os sentimentos de Alice enquanto arma um plano para tirar o rival do caminho.
Arnaldo, o aliado
Arnaldo (Antonio Calloni) também se preocupa com o fato de Alice estar cada vez mais questionadora. Acusa a mulher, Kiki (Natália do Vale), de não ter educado bem a filha e atribui a ela a missão de resolver esse problema familiar. Afinal, acredita ele, tem questões mais importantes para se ater, como o ataque a sua construtora. Enquanto era acionado pelo irmão, Toni (Marcos Palmeira), para resolver a questão de Monique no hospital, dois jovens haviam vandalizado a fachada da sua empresa. Um deles, Túlio (Caio Blat), foi pego pela polícia. Gustavo (Gabriel Leone) conseguiu despistar os agentes e seguiu o plano de se encontrar com o irmão, Renato (Renato Góes), e a namorada, Cátia (Bárbara Reis), em um bar, após o final do jogo.
Furioso, Arnaldo quer que todos os responsáveis pelo ataque sejam presos. E decide acionar um delegado de sua confiança, Olavo Amaral (Marco Ricca), para acompanhar de perto o caso. Amaral é conhecido por ser linha-dura e fazer parte de um grupo de repressão financiado por empresários. Acha que vale tudo para manter a ordem. Assim, Túlio é morto. Mas antes acaba entregando a Amaral o nome de Gustavo, que passa a ser perseguido.
Renato não desconfiava do envolvimento de Gustavo no ataque até descobrir que a polícia está no encalço do irmão. Com o apoio de Natália (Mariana Lima), mãe de Cátia (Bárbara Reis), vai planejar a fuga do garoto do país. A mulher de Josias (Bukassa Kabengele), contador na Amianto, arrisca sua família mesmo sabendo que o namorado de sua filha foi um dos autores do protesto na construtora.
Sem saber que Gustavo é irmão do médico Renato, com quem teve uma séria desavença no hospital, Arnaldo dá ordens para que Amaral não poupe esforços para encontrar o estudante, coagindo a família dele. A descoberta de que Renato, além de parente de Gustavo, é o rapaz que está por trás da mudança do comportamento de Alice fará com que o patriarca dos Sampaio Pereira una forças com Vitor para tirá-lo do caminho. Nem que para isso tenha que articular para que Renato, assim como o irmão, seja acusado de subversão. Pior: mesmo que tenham que envolver a mãe deles, Vera (Cássia Kis), no plano para que Renato e Alice nunca mais voltem a se ver.
Vera, a fiel da balança
Vera (Cássia Kis) não se sente confortável em admitir que não apoia o envolvimento do primogênito Renato (Renato Góes) com a estudante Alice (Sophie Charlotte). Afinal, ela nunca viu o filho tão feliz e apaixonado. Mas descobrir que a jovem é filha do homem que quer colocar o seu caçula, Gustavo (Gabriel Leone), na cadeia, é motivo suficiente para querer distância da família Sampaio Pereira.
A prisão de Gustavo após a tentativa fracassada de fugir do país só recrudesce esse sentimento. Mas o ódio surge de maneira devastadora quando é chantageada pelo algoz do filho, Arnaldo (Antonio Calloni): ou sustenta uma mentira que afetará o relacionamento de Renato e Alice, ou o irmão mais novo do médico vai sofrer nas mãos de Amaral (Marco Ricca).
A essa altura, Renato já está a caminho do Chile. Perseguido injustamente por subversão, o médico acaba seguindo no lugar do irmão o plano de deixar o país. Tudo acordado com Alice. Sem pensar duas vezes e completamente apaixonada, a jovem promete seguir ao seu encontro. Ninguém poderá detê-la, ela pensa. Só espera uma carta do amado para saber para onde e quando ir.
A correspondência, no entanto, nunca chega. Para proteger Gustavo e afastar Renato dos Sampaio Pereira definitivamente, Vera a intercepta, reforçando a farsa idealizada por Arnaldo e Vitor (Daniel de Oliveira): para todos os efeitos, Renato está morto. E não há nada mais que Alice, que se descobre grávida dias depois de sua fuga, possa fazer.
Vida que segue, amor que perdura
Sem escolha, Renato segue para o arquipélago de Chiloé, no Chile. É no exílio que conhece a jovem médica Rimena (Maria Casadevall), uma mulher livre e sedutora que logo se encanta por ele. Ela é filha do médico chileno Hernando Garcia (Alfredo Castro) e da assistente social Laura (Cyria Coentro), que abrigam Renato quando ele chega ao país.
Renato resiste às investidas, mas uma desilusão acaba o lançando aos braços da jovem: sem saber que a carta que escreveu a Alice logo que chegou ao Chile nunca chegou às mãos da namorada, acredita que ela desistiu de lutar pelo amor dos dois. E, sem poder voltar ao Brasil por ser um foragido do regime, resolve construir sua vida longe de casa. O amor por Alice persiste, mas é com Rimena que ele acaba formando uma família. Juntos, viajam pelo mundo, participando de um grupo de medicina humanitária.
No Brasil, a estudante, que pensa que o namorado está morto, também tenta seguir sua vida. A farsa armada por Vitor (Daniel de Oliveira) e Arnaldo (Antonio Calloni) faz com que a estudante acredite que voltar para o ex é o melhor a fazer. Ela está grávida, sozinha e sem nenhum apoio da família do amado. Melancólica, acaba se dedicando à fotografia, paixão que a transformará numa profissional reconhecida. Assim como Renato, ela também constrói uma família – Vitor, inclusive, assume a paternidade da criança que espera.
Passam-se nove anos. É 1979, ano que se instituiu a Anistia. Renato volta ao Brasil, quase uma década após aquele 21 de junho que mudou radicalmente a sua vida e a de Alice. O reencontro é uma questão de tempo e de sorte. O amor, no fundo, persistiu e as circunstâncias do mundo, que foram determinantes na separação do casal, agora se arrefeceram. Será que eles estão prontos para retomar esse romance do ponto onde ele parou?
Preparação de elenco
Além do trabalho com o preparador de elenco Chico Accioly e a preparadora corporal Marcia Rubin, parte do elenco se envolveu em estudos específicos para a criação de seus personagens. Foi o caso dos protagonistas Sophie Charlotte e Renato Góes: ela, para viver uma fotógrafa; ele, para encarnar um médico humanitário.
Antes de viajar ao Chile para gravar as cenas do exílio do personagem, Renato fez visitas à sede dos Médicos Sem Fronteiras, no Rio. O objetivo era entrar em contato com a complexidade do trabalho desses profissionais, levando em conta as escolhas difíceis que, muitas vezes, são obrigados a fazer. “Esses encontros foram muito produtivos, porque tive contato com clínico geral, cirurgião, pediatra, bombeiro, profissionais que cuidam da logística. Nas conversas com eles, soube que tem que se optar, por exemplo, em situações de risco, adiar a entrega de água num local se ela não é suficiente para atender todo mundo. Você sabe que alguns podem morrer na espera, mas é o que tem que se fazer”, exemplifica Renato. “Financeiramente, não muda a vida deles. É vocação, um trabalho quase de guerrilha mesmo”, conta.
Para Sophie, o trabalho com a fotógrafa carioca Gabriela Carrera, que vem acompanhando a atriz nos bastidores da produção, será contínuo. Carrera assina as fotografias que a atriz faz na ficção. Ensinar a segurar uma máquina da época está entre as atribuições. No segundo momento da supersérie, a personagem vira uma fotógrafa profissional, inspirada em nomes como Nair Benedicto, Diane Arbus e Vivian Maier. “Sophie ficou muito entusiasmada, tem aquele deslumbramento de quem está aprendendo a fazer algo novo. Ela é muito dedicada e interessada”, avalia Carrera.
Viagem ao Chile marcou o início das gravações
A supersérie ‘Os Dias Eram Assim’ começou a ser gravada em janeiro, em Chiloé, arquipélago ao sul do Chile. O destino escolhido para ambientar as cenas do exílio de Renato (Renato Góes) foi do diretor artístico da obra, Carlos Araújo. Na trama, o jovem médico precisa fugir do Brasil após ser vítima de uma armadilha de seu rival, Vitor (Daniel de Oliveira). Ele acaba se refugiando na ilha, que foi o destino de muitos exilados brasileiros naquela época. Ao diretor, também lhe interessava a beleza do cenário chileno, que ainda não conhecia. “Visualmente, a ilha causa um impacto interessante. Sempre quis gravar lá, porque é muito cinematográfica. Foi uma motivação muito emocional, estava buscando coisas que pudessem mexer com a gente”, justifica Carlos Araújo.
Durante duas semanas, parte do elenco da supersérie gravou cenas de seus personagens em Castro, principal ilha do arquipélago, além de outras localidades da região, acessíveis apenas por balsas, como a pequena Lemuy. Uma igreja em San Juan tombada pelo patrimônio histórico ambientou o casamento de Renato (Renato Góes) e Rimena (Maria Casadevall); No lago Huillinco, foi recriada uma minga, uma espécie de trabalho comunitário para o transporte aquático das casas costaneiras; o curanto, um assado com frutos do mar e carnes variadas, feito na terra, é outra tradição da cultura chilote que aparecerá na produção.
Renato Góes, protagonista da trama, se impressionou com o sobe-e-desce das águas dos lagos, que alteram o cenário em questões de horas. “O fato de eu ter filmado no meio do rio, dentro de um barco navegando e, poucas horas depois, voltar ao mesmo lugar andando foi bastante marcante”, relembra o protagonista, que se emocionou ao contracenar com a atriz chilena Luz Jimenez, de 81 anos, que fez uma participação na supersérie: “Os olhos dela eram os mais lindos e expressivos que eu já vi na vida!”.
Maria Casadevall, que vive Rimena, cita a experiência de gravar em Chiloé como mágica. “É uma parte do Chile que preserva toda a atmosfera mística da América Latina, mas de uma forma mais especial, quase intacta. Cada canto da ilha que você olha reflete a cultura de lá. Pude me conectar com essa energia”, observa. “Os chilotes vivem de acordo com os ciclos da natureza e isso é muito bonito. Parece que eles não foram atropelados pela globalização, de certa forma. O apego e o carinho com as próprias origens foram bem bonitos de se observar”.
Entre o elenco que participou das gravações no Chile, estão ainda o ator chileno Alfredo Castro, que faz uma participação como Hernando, pai de Rimena, e atriz Cyria Coentro, intérprete de Laura, mãe da personagem de Maria Casadevall.
Um Rio de Janeiro redescoberto
Reencontrar no Rio de Janeiro dos dias atuais o Rio de Janeiro das décadas de 70 e 80. Esse foi um dos desafios da equipe de ‘Os Dias Eram Assim’ na escolha das locações que receberam as primeiras gravações na cidade, em janeiro. Pequenos prédios residenciais, comércios e outros edifícios históricos em ruas de bairros como Glória, Catete, Santa Teresa, Urca e Centro concentraram os trabalhos, comandados pelo diretor artístico Carlos Araújo. “Queríamos encontrar na cidade de hoje o Rio daquela época. Foi um trabalho muito feliz de toda a equipe, conseguimos sair do óbvio”, avalia.
Coube a produção de arte, comandada por Moa Batsow, recriar com elementos cênicos a atmosfera do período. Como não se tratam de locais tombados, várias intervenções foram feitas para que o espectador seja levado à época. “Especialmente nas externas, há um cuidado grande para que elementos estranhos ao período retratado não fiquem visíveis”, explica Batsow. Automóveis, faixas, cartazes de publicidade e outros objetos que ajudam a definir visualmente os anos 70 foram levados às gravações externas.
O trabalho minucioso da equipe poderá ser visto desde o capítulo de estreia. A equipe de pesquisa, formada por Maria Byington e Marta Rangel, buscou em jornais e imagens em vídeo as referências para reconstruir o Rio de Janeiro em 21 de junho de 1970, dia da final da Copa do Mundo, que marca o início da trama. “Há a recriação artística, claro, mas tivemos a preocupação de ser fiel ao espírito da cidade nessa data. Havia o clima de festa, mas também havia esse clima de hostilidade por causa da repressão”, completa Batsow.
Um bar no Largo das Neves, em Santa Teresa, foi o cenário da gravação do primeiro encontro de Alice (Sophie Charlotte) e Renato (Renato Góes). As cenas da perseguição policial que ocorrem logo em seguida também foram gravadas próximo dali, numa cavalaria desativada perto na Cidade Nova. Já um edifício art déco na rua da Candelária, no Centro, recebeu a gravação do ataque à construtora Amianto, cena que também marca o capítulo de estreia da supersérie.
Cenografia: cenários fixos e uma Copacabana reconstruída
Para o início das gravações nos Estúdios Globo, em março, a equipe de cenografia, liderada por Alexandre Gomes e Fábio Rangel, teve duas grandes encomendas: reconstruir o bairro de Copacabana das décadas de 70 e 80 e produzir todos os outros cenários fixos da supersérie em um só espaço, ocupando mais de 2.800 metros quadrados.
Na Copacabana erguida nos Estúdios, há três destaques: a livraria Egalité, de Vera (Cássia Kis); a vila de casas onde mora a família Reis; e o centro cultural multidisciplinar, point que reunirá o núcleo da contracultura em um segundo momento da supersérie. “Usamos como referência a Copacabana real, mas reconstruímos o bairro a partir de ícones da época em que se passa a trama”, explica Fábio Rangel. Esse cuidado se vê nas fachadas dos estabelecimentos comerciais, com seus letreiros em acrílico e neon, que iluminavam o bairro naquela época.
Inspirada na pequena Saavendra, vila do Catete conhecida por ter sido o endereço de Clarice Lispector nos anos 60, a região onde mora a família Reis terá casas com áreas comuns construídas. Além de Vera (Cássia Kis) e os filhos caçulas, morarão na vila Renato (Renato Góes) e Rimena (Maria Casadevall) quando voltarem ao Brasil, no pós-anistia. “Conseguimos reproduzir a fachadas das casas, originalmente feitas com pó de pedra, com uma técnica que simula o efeito da pintura”, explica Alexandre Gomes.
O mesmo conceito está sendo empregado nos cenários dos outros personagens da trama, como a cobertura da família Sampaio Pereira, as instalações da construtora Amianto e o apartamento de Toni Sampaio Pereira (Marcos Palmeira). Construídos em um galpão, nos Estúdios Globo, eles ficarão fixos durante todo o tempo de produção da supersérie, o que determina um ganho maior no tipo de acabamento e na produtividade.
“Como eles não serão montados e desmontados diariamente, como em um estúdio convencional, foi possível obter outro tipo de resultado”, completa Rangel. O piso da cobertura da família Sampaio Pereira, por exemplo, tem um revestimento que simula mármore.
Figurino e caracterização: fuga do clichê
Fugir do clichê dos anos 70 e 80. Esse é o conceito seguido pela equipe de figurino e caracterização. Os figurinistas Marilia Carneiro e Renaldo Machado e o caracterizador Rubens Libório optaram por criar visuais que façam referência às décadas nas quais a trama se passa, mas que não sublinhe de forma definitiva o período. Isso se dá, sobretudo, com a mescla de peças garimpadas em brechós com outras contemporâneas.
“É uma interpretação menos lúdica da moda da época”, sintetiza Marilia, responsável pelo figurino de outras duas produções clássicas passadas no mesmo período histórico: ‘Dancin’Days’ (1978) e ‘Anos Rebeldes’ (1992). “O figurino tem que conversar com a proposta da produção. Sobretudo nesse primeiro momento da trama, que tem uma atmosfera mais invernal, optamos por fazermos algo mais sóbrio”.
O salto de tempo, que chegará ao período pós-anistia, marcará a mudança de visual dos personagens. Se no começo da produção a estudante Alice (Sophie Charlotte) aposta no duo minissaia e bota, depois ela adota um estilo mais maduro. “O figurino vai acompanhar o arco da personagem. Será um trabalho em construção”, avalia a figurinista.
Para a caracterização, a pesquisa partiu das referências de visuais de personalidades que viveram na época. Alice, por exemplo, tem o seu cabelo inspirado na atriz inglesa Jane Birkin. Já Maria (Carla Salle) é uma criação sobre a figura da cantora Nara Leão. Libório destaca o trabalho no visual de Rimena (Maria Casadevall). A atriz, que estava com os cabelos curtos e descoloridos, aparece em cena com as madeixas alongadas e escuras. “É uma personagem que pede um visual mais natural, menos urbano”, avalia.
Elenco canta trilha de abertura
Uma versão de “Aos Nossos Filhos”, canção de Ivan Lins eternizada na voz de Elis Regina, será a abertura da supersérie. A novidade é que a canção estará na voz dos protagonistas: Sophie Charlotte, Renato Góes, Gabriel Leone, Daniel de Oliveira e Maria Casadevall. A ideia do diretor artístico, Carlos Araújo, saiu do papel apoiada pela parceria com os produtores musicais, Victor Pozas e Eduardo Queiroz.
Em março, os atores entraram em um estúdio para colocar a voz na versão. “O elenco ficou entusiasmado com a ideia. Na verdade, todos já tinham em maior ou menor alguma familiaridade com a música”, observa Pozas. A canção também vai compor a trilha, que será lançada em um álbum pela Som Livre.
A trilha de ‘Os Dias Eram Assim’ terá clássicos da MPB como “Deus lhe Pague”, nas interpretações de Chico Buarque e Elis Regina, “Nossa Canção”, na voz de Roberto Carlos, além de duas versões inéditas de “Tempo Perdido”, por Tiago Iorc, e “Como Vai Você”, na voz de Johnny Hooker.