Em 1989, o produtor e diretor Carlos Augusto de Oliveira, o Guga, irmão de José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni, então todo-poderoso da Rede Globo, desenvolveu um projeto de novela que ofereceu a Silvio Santos. A parceria consistia em Guga produzir a novela (com sua empresa, a Art Video Produções, unida à Miksom, responsável pelo aparato técnico) e o SBT exibi-la, com os lucros de publicidade e vendas para o mercado internacional repartidos igualmente: metade para a emissora, metade para as produtoras. Era a primeira experiência do gênero na teledramaturgia brasileira. Guga encomendou um argumento ao dramaturgo Bráulio Pedroso (1931-1990), autor de novelas revolucionárias como Beto Rockfeller (Tupi, 1968/69) e O Rebu (Globo, 1974/75), o qual também contou com pitadas do próprio Guga, confessadamente inspiradas em enredos de filmes famosos como Norma Rae, Adorável Pecadora, Rede de Intrigas, Um Estranho Casal e Fama. Para escrever os capítulos foi escolhido Walcyr Carrasco, que na época trabalhava como jornalista e havia escrito alguns anos antes para a série Joana (Manchete e SBT, 1984/85), também produzida por Guga e protagonizada por Regina Duarte. Colaborando com Walcyr, outro jornalista, Miguel Angelo Filiage.
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Como havia pela frente a propaganda eleitoral e outras questões de estratégia de programação, a novela quase foi ao ar às 18h30, mas o horário escolhido para exibição foi o das 19h40, a partir de 23 de outubro de 1989, em confronto direto com o telejornal local e o Jornal Nacional da Globo e não com alguma de suas novelas; no vácuo entre a das 19h (que era Top Model, de Walther Negrão e Antonio Calmon) e a das 20h (Tieta, de Aguinaldo Silva, Ana Maria Moretzsohn e Ricardo Linhares, da obra de Jorge Amado), faixa perfeita para que o público do gênero abrigasse mais uma novela em sua programação diária. O próprio Guga de Oliveira respondia pela direção, que contava ainda com John Herbert – que também atuava como ator, no papel de Felipe – e Álvaro Fugulin. A previsão inicial era de que fossem feitos 180 capítulos, ao custo médio de 15 mil dólares cada, e se estimava que a audiência chegasse aos 10 pontos.
Há sete anos, estreava a novela Morde & Assopra
Como a ideia era centrar a produção no Edifício Dacon, na esquina das avenidas Brigadeiro Faria Lima e Cidade Jardim, zona oeste da capital paulista, que existe até hoje –, a história foi batizada de Cortina de Vidro em alusão ao prédio, na ficção propriedade do rico empresário Frederico Stuart Mill (Herson Capri), que deseja se aproximar da bailarina Branca (Betty Gofman) e para isso faz-se passar por pobre, já que não quer que a jovem se aproxime dele devido a sua condição e vem de uma desilusão amorosa. Oito estúdios foram construídos especialmente para as gravações, reproduzindo ambientes como os escritórios da holding de Frederico, uma academia de ginástica, uma agência de modelos, um restaurante, uma corretora de valores e uma agência de publicidade, nos quais transitavam os personagens. E como contraponto a esse mundo da elite paulistana, todo um núcleo de operários têxteis, integrado por Ângela (Sandra Annenberg), Giovanna (Débora Duarte), Dantas (Raymundo de Souza), Romão (Geraldo Del Rey), Nicolau (George Otto) e Sílvia (Miriam Mehler, numa participação especial no início), mãe de Ângela e Nicolau, entre outros.
A certa altura se fizeram necessárias mudanças na história para diminuir os elevados custos de produção, e para liberar instalações nas quais se gravavam os capítulos para um proprietário, o Banco Luso-Brasileiro, que não concordou em ceder o espaço para as gravações. Devido a isso, após cerca de dois meses de exibição o autor Walcyr Carrasco criou um incêndio no edifício, que matou diversos personagens e com isso eliminou custos e possibilitou uma virada na história, que eventualmente poderia atrair mais público. Foi uma solução bastante drástica, que muitos comparam ao terremoto na ilha em que se passava a trama de Anastácia, a Mulher Sem Destino (Globo, 1967), criado por Janete Clair para enxugar os custos e reinventar a história, mas Walcyr garante que não se inspirou nesse expediente utilizado pela “Maga das Oito” e foi movido pela necessidade, uma vez que não seria mais possível centrar sua ação no edifício, conforme entrevista concedida a André Bernardo e Cíntia Lopes para o livro “A Seguir, Cenas do Próximo Capítulo” (Panda Books, 2009). Em consequência do grande trauma provocado pelo incêndio, Frederico perde a memória e é ajudado por Ângela, moça de realidade completamente diferente da sua. Pronto, estava formado um novo par romântico. Branca, por sua vez, foi uma das vítimas do sinistro. No entanto, o envolvimento de Frederico e Ângela já estava previsto pela sinopse. Perto do final, uma grande ousadia: o estupro de Michelle (Carola de Oliveira, a futura “Princesa” e esposa de Chiquinho Scarpa, filha de Guga, falecida em 2011 aos 39 anos) pelo próprio pai, o corretor de valores Arnon Balakian (Antonio Abujamra).
No elenco de Cortina de Vidro estavam diversos nomes egressos de produções da Globo na ocasião: diretamente de Vale Tudo (1988/89) vinham Adriano Reys e Sérgio Mamberti; de Bebê a Bordo (1988/89), Débora Duarte; de O Salvador da Pátria (1989), Cláudio Curi, Aldine Müller e George Otto; de Que Rei Sou Eu? (1989), Antonio Abujamra, John Herbert e Gianfrancesco Guarnieri; de Pacto de Sangue (1989), Sandra Annenberg, Esther Góes e Raymundo de Souza. Ainda, Odilon Wagner esteve no ar na época em duas produções inéditas ao mesmo tempo em duas emissoras diferentes: Cortina de Vidro e a minissérie República, exibida em meados de novembro, no papel do Conde D’Eu, marido da Princesa Isabel (Tereza Rachel). Francisco Cuoco, Tarcísio Meira, Lucélia Santos, Cássia Kiss, Lúcia Veríssimo, Nívea Maria, Nuno Leal Maia, Bruna Lombardi, Carlos Alberto Riccelli, Malu Mader, Taumaturgo Ferreira, Maria Zilda Bethlem, Paulo Betti, Lucinha Lins, Luma de Oliveira, Clodovil, Ney Matogrosso e Bibi Ferreira constaram das tentativas de contratação de Guga de Oliveira para a novela. Nívea Maria chegou a iniciar as gravações na pele de Glória, prima e braço-direito de Frederico e apaixonada por ele, mas questões de família levaram-na a deixar o trabalho e a personagem ficou com Esther Góes. Por outro lado, Betty Gofman, Jayme Periard, Odilon Wagner, Liza Vieira, Cláudio Curi e Aldine Müller deixaram a novela antes do fim.
Mesmo com a tumultuada experiência de Cortina de Vidro, que terminou em 5 de maio de 1990 após 168 capítulos, o SBT na ocasião insistiu com a teledramaturgia, felizmente, e com a contratação do diretor Walter Avancini (1935-2001) deu prosseguimento ao departamento com Brasileiras e Brasileiros – esta, produção da casa –, com argumento e texto do dramaturgo Carlos Alberto Soffredini (1939-2001) e do próprio Avancini, que estreou alguns meses depois. Quanto a Walcyr, voltou a escrever novelas apenas em 1996 – Xica da Silva, na Manchete, sob o pseudônimo Adamo Angel –, em 2000 estreou na Globo com O Cravo e Rosa (em coautoria com Mário Teixeira) e iniciou lá uma carreira de sucesso, que segue até hoje, com O Outro Lado do Paraíso.