Expondo o submundo do futebol que ocasiona declínio de carreiras e prejuízos financeiros, a série Chuteira Preta estreia no próximo sábado (13), às 21h, no canal por assinatura Prime Box Brazil. Escrita e dirigida pelo cineasta Paulo Nascimento, a produção é composta por 13 episódios.
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A sinopse projeta a história do jogador Kadu (Márcio Kieling). Após carreira bem-sucedida em times de Portugal e Espanha, o atleta tem um retorno desastroso ao futebol brasileiro. Ele decide voltar às suas raízes em campos de várzea da periferia, quando jogava com os pés descalços.
Ele buscará a ajuda do tio Jair (Nuno Leal Maia), ex-craque dos anos 70 que não conseguiu enriquecer, para tentar recuperar a sua paixão pelo esporte e a excelência do futebol-raiz.
No entanto, o caminho de volta ao sucesso profissional é repleto de perigos. “Digamos que 10% dessa indústria são de pessoas destrutivas. Elas tentam tirar o foco da atividade e são uma barreira que os jogadores devem saber lidar, para sobreviver”, afirma o diretor.
As armadilhas que Kadu terá de enfrentar começam dentro da própria família. Mesmo sem contrato com clubes, ele vê suas despesas financeiras aumentarem. É que o pai, Cedenir (Kadu Moliterno), um jogador fracassado da série C, decidiu viver à custa do dinheiro do filho.
A vilania segue com a ex-esposa Flávia (Karin Roepke) que busca benefícios financeiros através do domínio emocional exercido sobre o jogador. Ela é capaz de simular agressão física para jogar o ex-marido contra o tribunal das redes sociais, caso ele não ceda às suas chantagens.
Há também o presidente corrupto do clube Dr. Sangaletti (Zé Victor Castiel), que busca a imunidade parlamentar em mandato de deputado. Além de Carniça (Allan Souza Lima), chefe de torcida organizada que faz todo o trabalho sujo que o gestor do time precisa.
O elenco de Chuteira Preta
O elenco reúne nomes consagrados da televisão, bastantes conhecidos do público, que dão vida a um total de 57 personagens. Um fato curioso é que os dois protagonistas são ex-jogadores de futebol.
Márcio Kieling já atuou no clube de base do Internacional de Porto Alegre; e Nuno Leal Maia é ex-jogador do Santos e ex-técnico de times de subdivisões. Também integram o casting: Marcos Breda, Nicola Siri, Rafael Sieg, Maria Zilda Bethlem, Ingra Lyberato, Pedro Garcia Netto e Gabrielle Fleck.
O ator argentino Juan Manuel Tellategui dá vida a um corrupto árbitro uruguaio envolvido na compra de resultados de partidas pela máfia russa. Já o ator italiano Nicola Siri interpreta um empresário italiano responsável pela carreira do jogador Kadu.
Temas sensíveis
O roteiro é baseado em pesquisa de campo feita por meio de entrevistas anônimas para se chegar aos assuntos-chave e principais arquétipos do esporte. Algumas fontes primárias são jogadores, técnicos, gestores, empresários e psicanalistas que atendem o setor. Também houve análise de casos veiculados na imprensa ao longo dos anos.
“Não quisemos deturpar ou exagerar a realidade. Cada vez que escrevíamos parte do roteiro, acontecia algo no mundo real que era pior ou igual à ficção. Há várias coincidências entre esses universos, tanto é que tivemos de inserir a informação ‘essa série é uma ficção’ na abertura dos episódios. Porque tem coisas que não dá para acreditar que são fantasia, mas se tornaram notórias só depois que já tínhamos gravado”, alega Paulo.
Um fato emblemático apurado por Nascimento é retratado na série: o auto boicote proposital. “O jogador é famoso e tem a responsabilidade de sustentar o pai, que ele odeia por conta de vários traumas da infância. Então, o atleta se recusa a jogar bem e passa a ter comportamentos duvidosos, para prejudicar sua imagem e diminuir sua renda financeira. Na cabeça dele, não ganhar dinheiro significa punir o pai. Mas, quem na realidade é afetado é o profissional. Ele é quem mais perde em tudo isso – pessoal e profissionalmente”, alerta o cineasta.
Traumas da infância e religião
Os traumas mal resolvidos da infância abrem espaço para barreiras de desempenho na carreira profissional. Entra em campo a religião. A série narra a predominância de evangélicos entre os jogadores. O papel da religião é dar suporte psicológico a esses atletas, mas o domínio estabelecido por líderes religiosos corruptos sobre essas pessoas, podem ser prejudiciais.
Os personagens que dão vida a esse núcleo são Pastor Carlos (Nelson Diniz), que tem na igreja a fonte de renda especialmente abastecida pelo futebol; Neco (Luis Navarro), jogador religioso e líder do vestiário, que insiste que a solução dos problemas de Kadu está em Jesus.
Além de Tonho (Cristiano Garcia), capanga responsável por operacionalizar as piores ações do mentor da fé dos jogadores. “Uma curiosidade: para retratar esse universo, tivemos de registrar o nome da igreja da ficção como marca. Ela se chama ‘Luz do Amanhã’. Isso se tornou necessário para evitar que as pessoas misturem com a realidade”, explica Paulo.
Perfis comuns
A partir da pesquisa de campo, identificaram-se características comuns à maioria dos jogadores que se deram bem na carreira do futebol profissional e o contrário. “A formação do indivíduo durante a infância é o que determina isso, assim como em qualquer outra área para um adulto”, esclarece Paulo.
“A maioria dos que se dão bem na carreira são casados com namoradas que conheceram desde criança. São os caras que conseguiram se estruturar como pessoa e, consequentemente, como profissional”, acrescenta. O diretor explica que pai e mãe são determinantes: “dificilmente, o jogador dá certo só com a mãe, como é a maioria da realidade dos jogadores da periferia.”
Essa dependência por parte do jogador adulto com a sua infância se torna evidente com o tempo, na opinião do cineasta. “Eles passam por provações desde muito cedo. Imagina um time grande que tem normalmente 40 camas no dormitório dos jogadores jovens. Não são 41 lugares. Quando chega alguém novo de fora que joga bem, significa que um atleta do grupo tem de sair. Mas eles só têm 14 anos. Saber quem vai embora e encerrar a carreira ali é muito impactante. Eles vivem dramas muito pesados para a idade deles”, justifica.
Segundo Paulo, os jogadores em depressão possuem características medianas: “o que os diferenciam é a estabilidade financeira: se tem ou não. Há os que degringolam de vez. A retomada da carreira é muito difícil. Não achei casos de atletas que tiveram problemas e conseguiram se reerguer profissionalmente na indústria.”
“Você vê o quanto isso atrapalha. Eles são cercados de ex-mulheres e pais pedindo dinheiro. Esse universo em volta é o que destrói a garotada, pois eles não têm estrutura psicológica. Mas já há uma nova geração que está se dedicando mais e procurando se informar e se cuidar”, completa o diretor.
Produção
O roteiro de ‘Chuteira Preta’ tem estrutura narrativa não-linear. Ou seja, há um arco central que se desmembra em várias histórias independentes embutidas nele. “A narrativa tende a subir a temperatura. Dois episódios focam na igreja, depois vão para prostituição, tráfico de drogas e o personagem no meio disso tudo. O espectador consegue compreender os episódios sem necessariamente ter de assistir por ordem todos eles”, explica Paulo.
Nascimento afirma que desde o início, a série foi pensada para TV por assinatura, não sendo possível pauta-la nas emissoras abertas por fatores óbvios. As inspirações de roteiro, fotografia, andamento e timing vêm de séries americanas de TV.
“Há o non-sense e a escalada de crimes reais de ‘Fargo’ que se junta à narrativa investigativa de ‘True Detective’ e a coisa mais sombria e dark de ‘Better Call Saul’”, revela. O diretor justifica: “São séries que não são rápidas, elas têm um tempo e só foram possíveis graças às mídias on demand, sendo impossível de exibi-la no meio convencional”.
Chuteira Preta foi filmada em câmeras 4K durante sete semanas, entre março e abril do ano passado, na região metropolitana de Porto Alegre. Ao total, foram 130 sets e 50 locações diferentes, dentre eles Estádio Beira-Rio do Sport Club Internacional, campos de periferia, vilas e porto abandonado. Alguns desses locais simulam a carreira em Portugal e Espanha, principais destinos internacionais dos jogadores brasileiros.
Assinada por Renato Falcão (A Era do Gelo, Rio e O Touro Ferdinando), a fotografia segue orientação sombria e as imagens foram captadas somente com presença de luz natural do ambiente. A trilha sonora, do Maestro Silvio Marques, foge do estilo musical associado aos jogadores – o samba. O som foi produzido em Porto Alegre e nas cidades alemãs Berlim e Hamburgo, mesclando músicas em português e inglês.