
Falta pouco para Samuel, interpretado por Eriberto Leão, ter o seu secreto romance com Cido (Rafael Zulu) revelado pela vingativa Clara (Bianca Bin) em O Outro Lado do Paraíso. Em entrevista ao Observatório da Televisão, Eriberto contou como a exposição irá impactar na vida do reprimido médico e sobre o curioso fetiche por lingerie que ele tem. Confira o papo:
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Como será a cena em que o seu personagem Samuel, sai do armário? Está todo mundo curioso…
Eu não sei, porque a gente ainda não gravou.
Você acredita que vai ser um momento de alívio para o Samuel?
A princípio vai ser terrível. O mundo dele acaba quando a mãe Adinéia (Ana Lúcia Torre) descobre e a Suzana (Ellen Rocche) também. Depois sim… À partir do momento que você não precisa mentir, eu acho que tem um alívio muito grande. Eu disse no início da novela uma frase que eu gosto muito: “A verdade nos liberta e a mentira nos aprisiona”. É isso!
Você é um ator muito intenso e seu personagem retrata o modo de viver de muitas pessoas. Você teve cuidado para o Samuel não cair no caricato?
Muito cuidado. Nossa construção é minimalista mesmo, os detalhes são captados pela câmera. A câmera percebe mais que o olho humano, porque ela tem o close, tem o foco maior. Eu fico muito feliz porque tem coisas que eu percebo que não são conscientes, de um ombro que levanta, da boca, como ela se movimenta, como ela aberta e como ela solta, do olhar. Eu acho que esse minimalismo trouxe ao personagem uma verdade muito grande, uma autenticidade muito grande e que sai da construção de outros personagens gays, que a gente já viu, que geralmente têm gestos mais largos. Ele é muito contido.
O seu estereótipo é de macho alfa, né? O Rafael Zulu comentou sobre isso. O Samuel tem o peito cabeludo, tem uma amargura no olhar..
Ele tem essa amargura no olhar o tempo todo. Eu acho que essa amargura é essa constante que você percebe na aproximação da câmera, é a amargura de quem vive uma mentira. Por mais que ele tenha sucesso profissional na vida ou sucesso até na mentira dele, porque ele está conseguindo convencer, não é uma pessoa plena. E isso é muito importante para a sociedade, porque a gente vive num mundo onde a mentira é parte da vida de todo mundo, e na classe política, por exemplo, ela atinge níveis absurdos. Alguns deles podem ter muito dinheiro, mas têm essa amargura, porque a verdade é que liberta e traz luz. Olhos são as janelas da alma.
E como as pessoas estão lidando com os fetiches do Samuel? Com as calcinhas dele?
Eu acho isso um grande gol do Walcyr Carrasco e do Mauro Mendonça Filho, dessa parceria. Veja bem, você se reprime o tempo inteiro, reprime sua sexualidade, que quando você pode ser o que realmente é, é óbvio que aquilo é potencializado. Eu descobri que um dos países mais fetichistas e que mais tem sadomasoquismo no mundo é a Alemanha. Ora, como são os alemães? Frios, contidos, não demonstram sentimentos, não abraçam. E quando estão em quatro paredes o que acontece? Então, quando você reprime muito, na hora que libera, vem com uma força muito maior. Eu acredito que o fetiche do Samuel é potencializado justamente por isso e quando ele for obrigado a se mostrar perante a sociedade como ele realmente é, a minha intuição é de que ele vai se equilibrar nesse fetiche, não vai ter que se vestir do jeito que se veste. Porque não é só vestir uma lingerie, ele tem uma meia, tem uma coisa quase de musical.
O Flat dele é usado justamente para esse momento, né?
É meio David Lynch (diretor norte-americano), meio Veludo Azul (filme) também. Ele tem muito bom gosto, é um cara que é psiquiatra, refinado, viaja o mundo. Ele falou que o vestido da mãe veio de Paris, esse leque dele transborda. Ele quer virar essa coisa que está dentro dele, que desde pequeno grita desesperadamente para existir, mas é impedido de existir.
O Samuel está na lista de vingança da Clara (Bianca Bin). Ele vai perceber que foi ela que armou para a revelação dessa vida dupla dele?
Só quando ele rodar mesmo. Essa é a vingança da Clara em relação a ele. Porque ele que deu o remédio para ela ter o surto, o laudo médico e também o nome do hospício no qual ela foi internada.
No fundo ele não é um cara mal, né?
Não seria. O lado vil dele surge a partir do momento que, para defender a sua mentira, ele destrói o mundo de outra pessoa.
Você consegue definir a personalidade do Samuel?
Não dá para defender ele, de maneira nenhuma. Quando a Sophia (Marieta Severo) pede para ele dar a medicação em troca dela lançar o livro dele, ou seja, é uma corrupção passiva, ela tenta o corromper e ele fala: “Não vou fazer isso de jeito nenhum, porque eu tenho ética, sou psiquiatra. Isso vai contra tudo que eu acredito”. Em seguida, ela fala que sabe da vida dupla dele e ele faz. Ele não faria isso por dinheiro, mas fez para se defender, e isso não tira dele esse desvio de caráter horrível. Ele se torna uma pessoa vil com certeza. O crime que o Samuel cometeu foi bárbaro, ele como psiquiatra, enviou uma pessoa sã para um hospício. Tirou dez anos da vida dela, isso não tem perdão.

A Clara faz um favor para o Samuel ao revelar esse lado dele?
É um favor que ele não queria, se ele pudesse escolher, não teria sido assim. Lá na frente, talvez, ele possa até agradecer. Não agora.
A Suzana vai estar grávida e, de repente, o Cido vai morar com eles. Como vai ficar esse triângulo amoroso? Vai ficar parecido com Dona Flor e seus Dois Maridos?
Não, eu acho que vai ser outra coisa. Porque na relação dos dois essa questão de poder é absurdamente equilibrada, não é tão óbvio. A gente só vai saber direito o que vai acontecer quando estiver todo mundo morando junto, quando a minha mãe estiver presente e depois chegar a Suzy.
O Samuel quer esse filho? Não é uma pressão da mãe e da esposa?
Ele quer sim. Tem uma cena em que ele vai na mãe do quilombo pedir ajuda para ter um filho, porque não sente prazer, e quando ele pede, isso fica claro que ele quer também. Óbvio que o movimento para que ele tivesse filho veio da mãe e da própria mulher, mas ele se descobre também querendo porque a paternidade é algo que todos nós queremos geneticamente. O objetivo das espécies é procriar.
E a gravidez da Suzana vai ser de risco, né?
Vai ser uma gravidez de risco. Então assim, vários sentimentos irão surgir. Ele gosta da Suzana, ele fala isso para a mãe. Ele teve várias vezes relações sexuais com ela, por mais que ele não sinta o prazer ou o afeto que ele tem com o Cido. Têm coisas acontecendo dentro desse homem que ele não sabe trabalhar, porque está na mentira, e a partir do momento em que ele for livre, tiver um filho, que vai poder ser gerado perto dele com namorado, com a mãe, que já o aceita, esse cara será uma outra pessoa. Ele vai estar aberto para sentir aquilo sem barreiras e sem punição.
Com será esse momento em que a mãe o aceita? A cena já foi gravada?
A gente já fez a cena. Na verdade, são duas cenas: a cena que ela aceita e, praticamente, só ela fala e ele está extremamente constrangido, envergonhado e assustado. E na sequência, volta ele já entendendo o que aconteceu, porque ele nega o tempo todo, tenta falar que foi uma brincadeira. A Ana se emociona muito e ele está nessa perplexidade, e depois ele se emociona muito e ela já está em um outro lugar também. E como os personagens existem, têm coisas que você planeja de um jeito, mas na hora, vem de uma outra forma. Ele não conseguiu olhar para ela na cena, é um constrangimento muito grande. E depois, ele se alinha e se emociona quando ela pega ele no colo.
Como foi compor esse personagem tão complexo? Você teve acesso a casos parecidos?
Muito trabalho! Quando eu comecei a estudar, um monte. Eu tive contato de uma maneira indireta com pessoas que conheciam histórias, e eu tenho recebido muitas mensagens de pessoas que viveram isso. De pessoas que eram casadas, depois se assumiram e que foi difícil no início, mas hoje valeu muito a pena. Eu penso que é uma realidade.
Como você imaginou o personagem quando recebeu a sinopse?
Eu saltei num precipício. Confiando muito no autor e na direção, e tendo muito cuidado em fazer tudo com muita verdade.
O Brasil é o país que mais mata homossexuais. Como é para você dar vida a esse personagem que representa tantas pessoas que se sentem excluídas e com a corda no pescoço?
É bem complicado. Eu acho que a nossa novela trata, não só dessa questão da sexualidade, mas de várias outras que permeiam nas famílias brasileiras e que são negadas, escondidas debaixo do tapete como a violência doméstica. Se a gente vive num país tropical, nesse paraíso abençoado por Deus, existe um outro lado desse paraíso e que só há uma maneira da gente conseguir avançar para evoluir, que é vendo as coisas como elas são. As pessoas que passam por isso, que sofrem violência e vivem problemas psicológicos graves a ponto de pensar em se matar, isso tudo ocorre porque vive um preconceito muito grande.
Você disse uma vez que Samuel é o seu personagem mais difícil. Esse pensamento continua?
Sim, claro! Ele é o mais difícil em termos de camadas, de lugares que eu vou descobrindo junto com o público, junto com os capítulos que chegam, junto com a direção, e tudo de uma maneira muito sútil. A construção que a gente tem, uma preparação muito intensa e longa, trouxe a todos nós da novela a possibilidade desses personagens existirem desde o início e, a partir daí, os atores vão descobrindo com os personagens.
No início da novela, o personagem dividiu opiniões entre os críticos, e a agora na segunda fase está sendo bem aceito pelo público. Como você lida com as críticas?
Acho que tudo é relativo. Nós aqui temos muita certeza do que estamos fazendo, com humildade de ouvir críticas construtivas e de melhorar, nosso trabalho é isso e faz parte. A novela é muito a longo prazo, que também depende de como o púbico recebe e está em constante mutação.
Você falou que recebe diversas mensagens. Como são elas?
São de pessoas que se identificam com o personagem, que já viveram essa mesma história ou que estão vivendo. Elogiando, talvez, porque eles conhecem pessoas iguais, ou eles são assim.
Quem você acha que pode ser o sócio misterioso do bordel?
Acho difícil ser o Samuel. O juiz é um forte candidato. Acho que a Sophia também, porque ali, ela poderia controlar a vida pessoal, ela adora chantagear.
*Entrevista feita pelo jornalista André Romano