SBT e governo: slogan da ditadura é só mais um capítulo dessa história

Publicado em 08/11/2018

Nos últimos dias, uma vinheta veiculada pelo SBT chamou muita atenção. Após serem mostradas algumas imagens de locais característicos de todo o País, a mensagem “Brasil: ame-o ou deixe-o”. Os mais velhos – e os mais estudiosos ou curiosos – devem se lembrar de que esta é uma das frases mais características de um dos piores períodos da História do Brasil. E que não é outro senão a ditadura militar que durou de 1964 a 1985. E foi justamente essa infeliz frase que, numa atitude ainda mais infeliz, a emissora de Silvio Santos resgatou.

No entanto, este não foi o primeiro ato simpático ou alusivo ao governo que Silvio e sua emissora praticaram. O presidente Michel Temer esteve no Programa Silvio Santos para angariar apoio à Reforma da Previdência. Vale lembrar que a audiência da atração é composta em boa medida por pessoas potencialmente impactadas pelas modificações.

Silvio Santos e Michel Temer no Programa Silvio Santos
Silvio Santos e Michel Temer no Programa Silvio Santos (Divulgação/ SBT)

SBT: Comercial com slogan da ditadura repercute na web; emissora admite equívoco e tira do ar

Com uma carreira consolidada na televisão há quase 60 anos, indiscutivelmente Silvio Santos é uma das figuras mais importantes da comunicação no Brasil. De camelô e locutor de rádio, tornou-se milionário e dono da segunda rede de TV do Brasil. Seu carisma e talento na animação de programas de auditório são tidos como insuperáveis por muitos. Todavia, como muito bem analisado pelo jornalista Mauricio Stycer em seu livro Topa Tudo por Dinheiro (Todavia, 2018), existe o Silvio animador e o Silvio empresário. Por mais que saibamos das duas vertentes dessa mesma pessoa, a segunda é menos conhecida e analisada em suas atitudes do que a primeira.

Semana do Presidente: o SBT e o jornal do governo

Como se sabe, foi no governo do presidente João Figueiredo (1979-1985) que sete emissoras da Rede Tupi tiveram cassada sua concessão. E que Silvio Santos obteve quatro delas, uma das quais o Canal 4 de São Paulo. Até então o empresário detinha apenas a concessão do Canal 11 do Rio de Janeiro, que funcionava desde 1976 como TVS. Numa atitude de gratidão ao general, o SBT passou a exibir aos domingos Semana do Presidente. Um pequeno boletim que resumia as atividades de Figueiredo na semana que havia passado. Além disso, o general era exaltado na música do Show de Calouros, como os jurados: “E o Figueiredo? O Figueiredo é coisa nossa…”.

Para não parecer que se fazia oposição a José Sarney, que assumiu o cargo na sequência, o SBT manteve o quadro no ar. Fernando Collor de Mello, Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso também tiveram seus compromissos registrados pela Semana do Presidente. O quadro saiu do ar em 1997. Recentemente, a Rede Brasil de Televisão exibiu um boletim com o mesmo nome e teor.

Verdade seja dita, não só o SBT fez afagos no governo

A Semana do Presidente estreou em 1981 e permaneceu quase 20 anos no ar, de presidente em presidente. Mas vale lembrar que mesmo a Globo exibiu, digamos, a sua versão do carinho em João Figueiredo. O Povo e o Presidente foi ao ar entre 1982 e 1983 e durante parte de seu período de exibição também constou da grade dos domingos. Sua criação foi uma iniciativa do próprio Roberto Marinho.

O modo como o departamento de jornalismo foi encarado no SBT na maior parte de sua história, avesso a maiores críticas ao governo em geral, também demonstra claramente como Silvio Santos prefere e determina que sua emissora aja em relação ao poder. Numa entrevista concedida em 1987 aos jornalistas Marcos Wilson (futuro diretor de jornalismo do SBT, inclusive) e Luiz Fernando Emediato, para O Estado de S. Paulo, Silvio deixou isso bem claro. “Jamais na minha televisão, enquanto eu for dono, vai ter crítica. Só elogio. Só notícia, o fato. Não gosto que critiquem o presidente, o pedreiro, o farmacêutico, o faxineiro. Por que procurar só defeitos?”, declarou o patrão.

Ironicamente, logo em seguida iniciou-se o período que mais foi contra essas determinações no jornalismo do SBT, com Wilson e Boris Casoy e a estreia do TJ Brasil, em 1988.

Há 30 anos, o SBT lançava o TJ Brasil, em busca de prestígio no jornalismo

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A repercussão negativa fez com que a vinheta fosse providencialmente retirada do ar, e a emissora enviou nota à imprensa admitindo o equívoco. O “Brasil: ame-o ou deixe-o” foi deixado de lado, mas as outras mensagens ufanistas seguiram. A saber: “Brasil, terra adorada!”, “Pra frente, Brasil” e “Eu te amo, meu Brasil”. A primeira se inspira na letra do Hino Nacional. As outras duas também aludem ao regime militar. “Pra frente, Brasil” integra a música-tema da Copa do Mundo de 1970, e batizou também um filme de Roberto Farias sobre a tortura e a repressão. Por sua vez, “Eu te amo, meu Brasil” resgata uma canção característica daqueles tempos, da dupla Don e Ravel. Nos dias de hoje esse patriotismo exacerbado tem sido identificado com posições de extrema-direita que chegaram ao poder nas últimas eleições majoritárias. Ou seja, talvez a emenda acabe saindo pior do que o soneto.

Não só Silvio Santos, mas todos os donos de emissoras de televisão procuram manter boas relações com o governo. Isso se deve ao fato de que as concessões dos canais podem ser revogadas ou não serem renovadas. Fora outros fatores determinantes como financiamentos, empréstimos e coisas desse tipo. A forma como a mensagem patriótica e ufanista foi veiculada pegou bastante mal, mais ainda nos dias atuais. No entanto, que se observe também outras práticas de outras emissoras, claramente “amigas” do governo, senão sempre, quando lhes convém.

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