Há 20 dias começou a caçada ao fugitivo da polícia Lázaro Barbosa, criminoso de alta periculosidade que só nesse período já matou quatro pessoas de uma mesma família. Desde então, com o grande aparato policial que a busca envolveu no Distrito Federal e no estado de Goiás, o fato tomou conta não apenas dos telejornais tradicionalmente dedicados a casos policiais como de toda programação da televisão. O caso virou assunto até dos programas diurnos de entretenimento, em várias emissoras com abordagem de filme de terror.
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Assim, temos visto de Norte a Sul do País pelas redes sociais manifestações de medo diante do fugitivo, com pessoas revelando estarem apavoradas em suas casas, mesmo morando bem longe da região da busca pelo fugitivo. Crianças e adultos alimentam pânico sobre o assunto, que vem envolto em folclore, cercado de uma mística em torno de rituais de satanismo e sacrifícios que ampliam ainda mais o medo provocado por um serial killer.
Como ninguém ignora o grande problema da violência no País, o medo é parte do imaginário de grande parte dos nossos lares. Daí que os noticiários policiais sempre estão carregados de manchetes trágicas e atraem grande audiência.
Mas cresce sobre Lázaro uma narrativa de mistificação do vilão, de que ele é movido e dotado de alguma força sobrenatural. Não param de aparecer notícias e descrições de que o criminoso é adepto de sacrifícios humanos, tem poderes mágicos, tudo isso amplamente divulgado pelos programas e seus repórteres de campo e apresentadores.
Filme de terror
Há toda uma dramatização do caso, com música de suspense, abertura especial para apresentação das reportagens, tratamento de imagens do fugitivo com ênfase numa estética macabra. Tudo isso apavora o espectador já assustado com os crimes em si.
As imagens aéreas de helicópteros e drones, o acompanhamento das tropas policiais em terra e o clima de suspense que envolve buscas na cidade, fazendas e mata formam um ambiente com ares diabólicos.
Os programas de apresentadores como Datena (Brasil Urgente), Sikêra Júnior (Alerta Geral), Balanço Geral e Cidade Alerta (Record TV) vêm dedicando muitos minutos diariamente para o caso.
Datena, inclusive, diante da notícia que no Mato Grosso um homem com características físicas semelhantes ao do fugitivo foi espancando, alertou a população a não tentar fazer justiça com as próprias mãos.
Sikêra Júnior chegou a simular um ritual religioso iluminado com um chamamento ao criminoso, numa teatralização para anunciar a reportagem.
Nas revistas femininas, como o Vou te Contar, com Claudete Troiano na Rede TV!, a convidada Marcia Fernandes, conhecida como Marcia Sensitiva, passou um programa explicando as implicações de feitiçaria do misterioso livro de São Cipriano. No Melhor da Tarde, comandado por Cátia Fonseca, o crime passa a ser assunto no meio da tarde na Band: “Parece coisa de filme”, disse Cátia.
Até Ana Maria Braga entrou na cobertura, entrevistando no seu programa um coronel da reserva falando sobre o assunto a partir do Rio de Janeiro. O Encontro com Fátima Bernardes também vem abrindo espaço para a cobertura da “caçada”.
Os dominicais Fantástico e Domingo Espetacular não ficaram de fora da cobertura, tentando fazer apenas jornalismo. O primeiro entrevistou o caseiro que teve contato com criminoso. No segundo, o sempre atento repórter Roberto Cabrini conversou com a mulher do criminoso – a mãe dele já havia falado aos telejornais.
Enquanto isso, o próprio fugitivo criou um perfil falso no Facebook para acompanhar as notícias sobre si mesmo – fato descoberto pela policia nos últimos dias. Ele deve mesmo estar acompanhando sua própria caçada pela TV, já que a cada dia os diversos programas tratam de revelar qual o plano das forças policiais a cada dia.
Um delegado de Cocalzinho/GO fez um apelo para que a sociedade parasse de enviar pistas falsas, opiniões e sugestões, congestionando os canais oficiais de recebimento de denúncias. Um aplicativo foi criado para tentar organizar as informações.
Enfim, a própria polícia está tentando conter o pânico, alimentado dia e noite pelos veículos de mídia. Enquanto isso, o assassino também vai ele mesmo acompanhando na mídia o seu filme da vida real.
Tudo isso me remete a esta passagem, do livro do escritor e cineasta Guy Debord (1931-1994), escrito em 1967, A Sociedade do Espetáculo: “O espetáculo não é um conjunto de imagens, mas uma relação social entre pessoas, mediatizada por imagens”.
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