Demorou seis anos, mas enfim Silvio Santos decidiu tirar da gaveta o documentário sobre ele. Avesso a homenagens, chamou o especial de “puxação de saco”. Mesmo assim, ele se rendeu à qualidade do material e dedicou as duas últimas horas de seu programa, no último domingo (8), para exibi-lo como um presente de suas seis filhas pelo Dia dos Pais e também como parte das comemorações dos 40 anos do SBT.
Veja também:
Para quem ama televisão, o documentário é um deleite, um verdadeiro registro histórico. Dirigido por Leonor Corrêa (demitida pelo SBT no ano passado) e apresentado por Marília Gabriela (que deixou a emissora em 2015), o especial trouxe imagens do apresentador em todas as décadas. Para contar a infância de Senor Abravanel, a emissora recorreu a atores (e como foi bom ver dramaturgia adulta na emissora após uma década apenas produzindo novelas infantis).
Trechos de programas extraídos do próprio acervo e o de outras emissoras (até da Globo) complementam outro grande trunfo do documentário: os depoimentos. Pessoas que participaram de todas as fases da vida de Silvio ajudaram a costurar a biografia de 85 anos (na época da produção do especial) do comunicador, entre familiares, ex-colegas da Escola de Paraquedistas do Exército, profissionais de rádio e de TV.
Donos de emissoras, ex-executivos, personalidades internacionais como Don Francisco (criador do Teleton na América Latina) e até três ex-presidentes da República (os créditos não foram atualizados, e Dilma Rousseff, deposta em 2016, foi creditada como a atual chefe do Executivo) concederam entrevista ao SBT, que conseguiu reunir os três brasileiros mais queridos de todos os tempos, segundo o apresentador declarou em entrevista à revista Veja SP em 2014: Pelé, Roberto Carlos e Lula (o quarto seria o próprio Silvio).
Entre os depoimentos, histórias que ajudam a humanizar Silvio. Celso Portiolli, Eliana, Mara Maravilha e Gugu Liberato (1959-2019) contaram como se tornaram “crias” do apresentador. Faustão revelou que quase foi contratado pelo dono do SBT. Em uma das falas mais comoventes, Carlos Nascimento mostrou eterna gratidão por ter podido ficar na emissora mesmo afastado para tratar um câncer. Carlos Alberto de Nóbrega chorou ao relembrar a amizade sincera de Silvio com seu pai, Manoel de Nóbrega (1913-1976).
Durante duas horas, o público pôde ver no programa especial o melhor de Silvio Santos. Então é chapa-branca? Se considerar que foi produzido pela empresa do homenageado, seria realmente uma surpresa se fossem citadas manchas na carreira do apresentador, como a mal contada compra da Record e a fraude bilionária do banco PanAmericano. Este não é o propósito de uma homenagem.
Assistir ao documentário aflorou dois sentimentos. O primeiro foi o encantamento der ver a história da televisão ser contada com tanto esmero. Afinal, as trajetórias de Silvio Santos e da TV brasileira caminham juntas há 60 anos. O especial eternizou o auge do apresentador, e aí vem o segundo sentimento: o da frustração. Seis anos se passaram desde a produção do material, e desde então o dono do SBT vem corroendo a mitologia sobre si próprio que ajudou a construir.
Como um homem tão querido pelos brasileiros, manchou sua reputação tão facilmente após 2015, ano do documentário? Declarações e atitudes preconceituosas, casos de assédio ao vivo e apoios controversos na política e no empresariado puseram fim ao “mito”.
“Ele é a única pessoa no Brasil que pode falar o que pensa, o que vem à cabeça. Ele é a única pessoa hoje que pode falar o que quer”, afirmou no documentário o diretor do Programa Silvio Santos, Fabiano Wicher. Sem filtro algum, Silvio passa por sua pior crise de imagem em 70 anos na comunicação e não dá sinais de que irá se adaptar aos novos tempos. Para piorar, pessoas próximas o blindam de críticas e tentam desmoralizar quem questiona os posicionamentos retrógrados do apresentador.
Emocionante, o especial do SBT imortaliza o Silvio Santos que aprendemos a amar, porém que nunca voltará a existir.
Siga o colunista no Twitter e no Instagram.