Lançada há dez dias no Globoplay, Vereda Tropical (1984) é atualmente a produção nacional mais vista da plataforma de streaming da Globo. Enquanto fãs nostálgicos relembram a primeira trama de Carlos Lombardi, novos telespectadores descobrem somente agora que o protagonista, um jogador de futebol interpretado por Mário Gomes, terminou contratado pelo Corinthians, com direito a gol no estádio do Morumbi. A cena ainda está viva na memória do então vice-presidente do clube, Adilson Monteiro Alves, que aparece na novela.
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Em entrevista exclusiva à coluna, o dirigente conta os bastidores da sua participação em Vereda Tropical ao lado dos atletas do Corinthians. Para o último capítulo, a Globo encenou um jogo em que Luca, personagem de Mário Gomes, marca um gol com passe de Casagrande, ídolo do clube e atual comentarista esportivo da emissora. No dia seguinte, aproveitou a partida contra o Vasco, na estreia do Campeonato Brasileiro de 1984, para registrar a chegada triunfal do atacante, de helicóptero, saudando a torcida.
A chegada de Luca coincidiu com a situação do time paulista dentro e fora dos gramados. Cofundador da Democracia Corinthiana, movimento interno que expandiu para a política, Adilson Monteiro Alves tornou o clube conhecido até no exterior pela participação nas Diretas Já, contra a ditadura militar. Com o fim do regime e o início da redemocratização, o dirigente se concentrou no futebol e trouxe jogadores renomados para o Alvinegro.
“Contribuímos bastante para a derrubada da ditadura e, quando começou 1985, decidi reforçar o time. Contratei Hugo de León e Serginho Chulapa, trouxe o Casagrande de volta. Era praticamente uma seleção, quase todos tinham defendido a camisa do seus respectivos países. Éramos o time mais poderoso do país naquele momento, e o Luca foi uma das contratações. Foi automático que fosse o Corinthians. Estávamos em evidência”, afirma o sociólogo.
Na trama, Luca destacou-se no fictício Cantareira, time da segunda divisão, e chegou a treinar no Santos e em outros clubes. Adilson Monteiro Alves precisou viajar ao Rio de Janeiro para gravar cenas da negociação do atleta.
No último capítulo, prestes a estrear pelo Corinthians, o protagonista fugiu com Silvana (Lucélia Santos) e o filho da amada, Zeca (Jonas Torres), foi perseguido pela polícia e sofreu um grave acidente de carro. No vestiário do Parque São Jorge (centro de treinamento do time paulista), o dirigente sentenciou: “Ou ele aparece voando aqui ou acabou o Corinthians para o Luca”. Milagrosamente, o atacante saiu ileso e chegou de helicóptero para sua primeira partida.
“Fizeram um jogo simbólico, com todo o nosso time, e o Luca marcou um gol. Depois aconteceu o jogo de verdade, que foi no final da novela. Eles vieram para cá, filmaram nosso vestiário, ficou faltando só o jogo. Terminou com ele vindo de helicóptero. O último capítulo foi uma superprodução Lembro que fui entrevistado na entrada do túnel, falei algo como ‘foi tudo combinado, o Luca é nosso’. Conversava bastante com o Carlos Lombardi e o Silvio de Abreu [supervisor de texto]”, recorda Adilson Monteiro Alves, hoje com 74 anos e diretor do departamento de responsabilidade social do Corinthians.
A proximidade do Corinthians com a Globo também contribuiu para a participação do Alvinegro em Vereda Tropical. Na época, o vice-presidente de operações da emissora, Boni, participava do conselho deliberativo do clube. Osmar Santos, um dos principais narradores esportivos do grupo na TV e no rádio, subiu no palanque das Diretas Já com Adilson Monteiro Alves e jogadores como Wladimir, Casagrande e Sócrates (1954-2011).
O sociólogo lembra que todo o elenco corintiano topou atuar na novela global sem problemas: “Éramos muito participativos. Estávamos em todas. Tínhamos uma vida social, política e cultural muito ativa. Eles estavam acompanhando tudo, sabiam de tudo e foi automático, não precisamos decidir nada. Nos divertimos bastante”.
Faltou combinar com os atletas do Vasco e com o juiz da partida verdadeira, José de Assis Aragão. Quando Mário Gomes entrou no gramado após o gol de Serginho Chulapa para gravar a comemoração, o árbitro confundiu o ator com um invasor e o expulsou de campo. Além disso, o goleiro vascaíno, Roberto Costa, levou cartão amarelo ao reclamar da aparição do falso atacante do Corinthians.
Os quase 40 mil torcedores presentes no Morumbi ajudaram a Globo e gritaram por Luca ao final do jogo (em protesto irônico contra o time pelo empate por 2 a 2). Mesmo ovacionado pelos corintianos, o atacante teria chance no Timão? Adilson Monteiro Alves admite que o personagem era, no jargão futebolístico, “caneludo”.
“Você está de brincadeira, um p… perna de pau! Era um ótimo ator. Ele sabia chutar a bola, dava umas cabeçadas, deve ter jogado quando garoto, mas claro que não, era uma brincadeira”, avalia, aos risos.
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