Rio Connection, nova produção internacional da Globo, mescla astros da emissora e artistas gringos, incluindo uma brasileira radicada nos Estados Unidos. Aryè Campos, ex-artista mirim, já trabalhou com Silvio Santos e Gugu Liberato, mas deixou o SBT e o país há 30 anos. Hoje, ganha a oportunidade de revisitar o passado e rever o público que a aplaudiu na década de 1990.
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Na série, lançada nesta quinta-feira (23) pelo Globoplay em parceria com Sony Pictures Television e Floresta, Aryè interpreta a agente Amanda Singleton e combate os cartéis de drogas. Ambiciosa e determinada, orgulha-se de estar entre as primeiras mulheres selecionadas para comandar o departamento de narcóticos da polícia.
Em entrevista à coluna, Aryè Campos explica a mudança profissional ainda na infância e diz como construiu a carreira nos Estados Unidos, com muito teatro, participações em séries e dublagem. No Brasil, visitou os Estúdios Globo e contracenou com muitos atores que nunca tinha conhecido. “Só a Renata Sorrah era do meu tempo”, brinca.
Confira abaixo, na íntegra, a entrevista exclusiva com a atriz Aryè Campos:
PAULO PACHECO: Rio Connection é uma série internacional, mas foi produzida por brasileiros e tem o selo Globo. Este trabalho trouxe você de volta ao Brasil?
ARYÈ CAMPOS: Sim, mas não foi a primeira, porque fiz Passaporte para a Liberdade (2021), mas o papel do Rio Connection é maior, tem um pouquinho mais de destaque Em Passaporte eu fiz uma brasileira e em Rio Connection faço uma americana. Eu não diria que não me considero americana, mas por mais que tenha começado no Brasil a maior parte da minha carreira artística foi nos Estados Unidos. Para mim, atuar em inglês é mais fácil.
PP: Quem é Amanda Singleton?
AC: Ela é agente do BNDD, o Departamento de Narcóticos e Drogas Perigosas, trabalha para o governo dos Estados Unidos, mas em casos internacionais. Elae combate os traficantes de heroína que usam o Brasil como uma ponte de exportação para os Estados Unidos. O governo norte-americano a manda até o Brasil especificamente para impedir essa transação. Só que estamos falando dos anos 70, quando não havia mulheres neste cargo. É um setor de homens. Ela está em um mundo contrário a ela pelo fato de ser mulher. Ela tenta fazer a coisa certa mas é levada a sério. E ela tem que brigar, por isso eu a chamo de brava. Ela precisa fazer cara de brava porque teve que criar esse exterior.
PP: Você passou por situações semelhantes de preconceito na sua carreira?
AC: O maior preconceito é que até ter um certo currículo você é como quaisquer outras milhões que estão tentando ser atriz. Independentemente de ter tido uma carreira no Brasil e feito muito teatro aqui, se você não estiver em Grey’s Anatomy ou This Is Us ninguém te leva a sério, entendeu? Tive um pouquinho disso no começo, até criar uma reputação de que sou uma boa atriz. Há um ‘preconceito’ sobre ser artista. Moro em Los Angeles desde 2007. Antes, morei na Flórida, onde fiz muito teatro, mas para realizar meu sonho de foi continuar na televisão tinha que ir para Nova York ou Los Angeles.
Quando vim para cá, havia um pouco de preconceito por ser latina. Nunca tive sotaque no inglês, porque vim muito nova, mas às vezes escapa e quando eles ouviam já se fechavam. Agora mudou, ser latina é exótico, é legal. Uma das razões pelas quais mudei meu nome [artístico, de Ashley para Aryè] foi para reafirmar que sou latina.
O preconceito que sofri como mulher foi mais quando eu trabalhava como consultora financeira até começar a engrenar a carreira de atriz. Finanças é um ambiente mais masculino. Está mudando, claro, mas quando comecei era mais masculino, e eu era uma das únicas mulheres na firma. Às vezes, os clientes pareciam não confiar quando uma mulher falava como eles deveriam investir o dinheiro.
PP: Recentemente encerrou a greve dos atores e roteiristas em Hollywood. Como a paralisação te afetou?
AC: Foram seis meses de muito tédio! Foi difícil Ainda houve projetos em companhias que não eram do AMTP [sigla da aliança dos estúdios e produtores], mas muito poucos. Dei sorte que no período consegui rodar dois longas-metragens e um episódio de televisão. Mas é complicado porque acabamos de sair da pandemia, depois houve a greve dos roteiristas e, dois meses depois, a dos atores. Esse ano foi realmente um caos! Passaporte para a Liberdade veio para os Estados Unidos pelo Amazon Prime Video e fiquei feliz por finalmente poder divulgar. Fiz um trabalho lindo com o Jayme Monjardim, mas não podia falar para ninguém!
PP: Quando filmou Rio Connection?
AC: Final de 2021. Em Passaporte, passamos um mês e meio em Buenos Aires e o resto foi no Rio de Janeiro. Rio Connection seria no Uruguai, mas por causa da Covid-19 não deu certo e fizemos em São Paulo e no Rio.
PP: Como foi conhecer os Estúdios Globo e o que achou da estrutura audiovisual brasileira?
AC: Tivemos algumas diárias no Estúdio Globo, mas também muitas locações em todo o estado. Há coisas muito boas e coisas às quais tive que me ajustar. O cronograma americano é bem regradinho, organizado. Em Rio Connection dependíamos muito do clima, e em 2021 choveu outubro inteirinho. Tudo mudou, ficou meio confuso. Mas, em termos da produção, especialmente na Globo, achei muito, muito boa. A Globo faz as coisas com muito detalhe. Lembro que em Passaporte pegaram todas as minhas medidas e costuraram minhas roupas lá dentro. Foi tudo muito bem estudado para as duas séries, porque são de época. Não pode ser qualquer roupa. Mesma coisa com o cenário. O nível de produção é muito alto. E nas duas séries tivemos tudo contra: Covid, chuva, e mesmo assim foram produtos muito bons. Isso mostra o poder do Brasil e das produções brasileiras. Se continuar a investir nesse tipo de produção com um nível alto, acho que vai muito longe. Acho que o Brasil tem muito potencial de competir no mercado internacional.
PP: Você convive com muitos artistas dos Estados Unidos, mas queria saber como foi encontrar o elenco brasileiro.
AC: Fico até com vergonha de falar, mas como estou há muito tempo nos Estados Unidos nem sabia quem era famoso e quem não era. Quando peguei os nomes, pesquisei e falei para minha mãe, que assiste a muitas novelas até hoje. ‘Ai, meu Deus, Rodrigo Lombardi, Sophie Charotte!’. Depois que eu soubm quem eram, obviamente comecei a assistir a algumas coisas para conhecê-los e, claro, admirei muito o trabalho deles. Foi fenomenal trabalhar com todos. Sophie foi muito generosa comigo pelo meu primeiro trabalho no Brasil. Eu estava super nervosa: ‘O que que eu estou fazendo aqui, Jesus amado?’. Ela me acolheu e me tratou muito bem.
Em Rio Connection, as pessoas com quem contracenei e são famosas no Brasil são a Maria Casadevall e o Rômulo Arantes Neto, que fiquei sabendo depois que são pessoas de nome. Trabalhei com a Marina Ruy Barbosa e a Carla Salle em em uma cena pequena. Eu realmente queria ter atuado com a Renata Sorrah. Essa eu conhecia, é da minha época! Mas infelizmente não estávamos no mesmo núcleo. Queria até ir para a preparação do outro núcleo só para vê-la, mas não deu certo. Muitas das cenas dela foram feitas em São Paulo, então nem consegui cruzar nas gravações. Para mim ela é a rainha, a celebridade, como chamamos aqui. Foi uma tristeza, mas quem sabe na próxima.
PP: Você falou da sua mãe. A sua família mora no Brasil ou alguém veio com você?
AC: Minha mãe mora comigo. Tem idade avançada, meu pai morreu uns anos atrás, e eu cuido dela. Quando venho no Brasil ela está comigo. Tenho três irmãos: um mora em Miami com a mulher e dois moram no Brasil, sendo um em São Paulo e outro na Bahia. Quando eu estava no Rio, o irmão de São Paulo levava a mulher e cpassava o fim de semana e os feriados com a gente. O da Bahia ficou com a gente uma semana. O bom de gravar no Brasil é ver minha família mais vezes.
PP: Você também conheceu o audiovisual brasileiro trabalhando com dublagem. Como é esta experiência?
AC: Fiz O Mecanismo, Cidade Invisível, Bom Dia, Verônica, Todo Dia a Mesma Noite, Menino Maluquinho. Não sabia quem era Marco Pigossi até dublar Cidade Invisível. E quando eu tinha uns oito anos conheci o Menino Maluquinho do cinema, o Samuel [Costa], fizemos um comercial juntos, e agora estou dublando não só a mãe dele no desenho, como também a primeira namoradinha. O mundo deu uma volta drástica! E é um desenho muito bem feito, que legal que eles trouxeram internacionalmente.
É engraçado dublar série brasileira para o inglês, ainda mais porque o ritmo da voz brasileiro é diferente do americano. Às vezes não me dou tão bem quando eu dublo em português. Estou tão acostumada em falar e ouvir com o ritmo americano, mais cantado, saber a intenção de quem está falando. A primeira vez foi bem estranho, demorou um pouquinho.
PP: Vamos falar de Silvio Santos? Ele ama criança prodígio, quer saber o que ela criança pensa sobre tal coisa. Queria saber a sua memória da época.
AC: Começamos com um quadro chamado Imitando Gente Grande, que também era do programa Hot Hot Hot. Eram literalmente crianças imitando gente grande, fazendo uma cena como se fosse uma adulta. Imagina uma menina de sete, oito anos falando: ‘Queridinha, vamos tomar um café’, um negócio assim. Era sempre uma piada. De lá, fui repórter e visitava de veterinário a restaurante chinês. No palco respondíamos as perguntas aleatórias, e eu nunca fui uma pessoa de esconder o que estou pensando. Falei coisa errada e eles adoravam isso. Até hoje tenho esse problema, infelizmente (risos). Pude ser eu no palco falando besteira. Foi bem divertido.
PP: Como era sua carreira artística quando quando chegou ao SBT?
AC: Eu cantava, fazia muitos comerciais, e me chamaram para testes no SBT. O primeiro que fiz foi do Gugu, em que adivinhavam uma palavra e eu tinha que explicar o que era sem falar. Depois, fui para o Silvio, que foi o que mais marcou minha carreira, mas antes eu fazia muita propaganda e tinha um CD.
PP: Você quis ser artista por iniciativa própria?
AC: Sempre quis aparecer! Quarta filha, né? Sou caçula e a única mulher, então já viu o problema (risos). Minha mãe falava que eu pulava no palco, escovava os dentes e falava: ‘Essa pasta é muito boa porque limpa seus dentes’, fazia comercial no espelho! Desde criança sempre quis fazer algo no entretenimento. Minha mãe viu que eu realmente gostava e abriu as portas para mim.
PP: Você conseguiu viver de forma leve essa primeira fase da sua carreira artística?
AC: Muito! Quando eu falo as coisas que eu fazia, sempre fui muito ocupada. Mesmo quando não estava na televisão fazia aula de sapateado, de dança, de canto, de piano. Sempre fui uma menina muito agitada. ‘Você não teve juventude, não sei o quê…’. Gente, vocês não estão entendendo. Eu amo isso! Para mim, era a minha felicidade. Ninguém me forçava, eu queria fazer e me trazia muita felicidade cantar, dançar, estudar teatro, canto, fazer aula do que for. Consegui fazer o que muita gente não pôde fazer, que é trabalhar naquilo que realmente ama. Tive a sorte de saber o que eu realmente amo desde criança. Para mim, isso não só me trouxe uma juventude muito feliz, mas também me preparou para o resto da minha vida. Estou me preparando desde os quatro anos de idade. Acho que cada pessoa tem a juventude que é melhor para ela. A minha não é a certa para todo mundo, claro. Muita gente que não seria feliz fazendo as mil coisas que eu fazia. Mas, no meu caso, eu realmente amo o que eu faço, então sempre fui muito feliz, graças a Deus.
PP: Depois que saiu do SBT, chegou a fazer testes em outras emissoras?
AC: Logo antes de vir para os Estados Unidos, tinha sido chamada para um projeto na Globo. Não lembro qual era. Minha mãe que estava me contando essa história um tempo atrás. Pelo Hot Hot Hot, eles chamaram minha empresária na época para fazer acho que uma novela na Globo. Mas coincidiu com a nossa viagem. A gente já tinha decidido, e eu me mudei basicamente quando o Hot Hot Hot estava acabando e eu havia sido chamada pela Globo. Viemos aqui com a cara e com a coragem. Ficamos ilegais durante muitos anos. Peguei meu Green Card só aos 20 anos.
Recentemente, reencontrei o Jayme Monjardim, enviei uma mensagem e ele respondeu me indicando um papel em Passaporte para a Liberdade. Por causa de Passaporte peguei Rio Connection. E por causa de Rio Connection peguei o filme Dois É Demais em Orlando, ainda inédito.
PP: Cogita passar mais temporadas no Brasil fazendo trabalhos em português?
AC: Dois É Demais vai ser em português, o primeiro projeto em português que eu estou fazendo desde os 11 anos de idade. Quero, sim, fazer [carreira no Brasil], mas tenho minha vida aqui, não posso ficar para sempre no Brasil. Tem que ser um período limitado, porque tenho meu marido, meus cachorros, minha casa. Quero fazer algo que eu possa não só ficar aqui ou aí. Tenho minha carreira aqui, mas a ideia é poder continuar trabalhando no Brasil.
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