
Aqui no Brasil, enquanto os serviços de streaming avançam no segmento das novelas, as emissoras de TV pegam carona nas plataformas de vídeo e também produzem spin-off, nome moderno dado ao retorno de histórias e personagens em outras tramas. Na verdade, trata-se do resgate do modelo presente esporadicamente desde os anos 1970 na programação televisiva sem grandes repercussões.
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Mais do que expandir para o ramo da concorrência, um dos principais motivos desse congestionamento de continuidades na TV é a crise vivida pelo segmento devido à falta de autores experientes. Assim como ocorre com a escassez de roteiristas no exterior, aqui são os novelistas que não estão sendo renovados na mesma proporção. A crise de criação se estabeleceu por dois fatores principais.
Um deles deriva das aposentadorias dos mais experientes que chegaram a idades avançadas sem substituição à altura. O outro é fruto da falta de visão estratégica da Globo e da Record que abriram mão de seus grandes nomes ao desfazerem seus seletos quadros de contratados exclusivos.
Spin-Off supre carência de autores consagrados
Não confundir com remakes, uma prática comum desde os anos 1960, mas que ganhou intensidade recentemente também impulsionada pela falta de mão de obra de autores experientes. O formato spin-off também já era um velho conhecido da TV brasileira. Porém, o modelo valorizado agora funciona como um paliativo para o déficit dramatúrgico.
Os novatos que comandam atualmente a carpintaria criativa da Globo e da Record se beneficiam do reaproveitamento de experiências prontas e já testadas pelos antigos novelistas, como a base da trama, definição do gênero e desenvolvimento dos estereótipos dos personagens.
Essa recauchutagem ainda reduz custos e trabalho de produção com reaproveitamento de pesquisas, cenários, locações, figurinos e do desgastante processo de escalação, teste e composição de atores e personagens.
Ainda, é facilitado o processo de divulgação do produto e de ressuscitação dos personagens já conhecidos e queridos pelo grande público. Ou seja, o conteúdo continuado já começa com meio caminho andado para os novos criadores.
Com a espinha dorsal derivada do enredo original, cabe aos continuístas focarem nos diálogos, na introdução de elenco complementar e no desenvolvimento de novos rumos para a história.
Horário das seis, o campeão de continuidades
A faixa global das 18 horas virou um verdadeiro balão de ensaio para esse formato. Atualmente desenvolve No Rancho Fundo de Mário Teixeira, com aproveitamento dos personagens carismáticos de Andréa Beltrão, Débora Bloch e outros surgidos em Mar do Sertão, do mesmo autor, exibida no ano passado.
A novela Eta Mundo Bom! de 2016 também terá seu desenvolvimento. Walcyr Carrasco dá corpo ao spin-off antes de repassar a continuidade para Mauro Wilson.
A novela inspirada no clássico televisivo será uma das próximas programadas para ocupar o início da noite. Já está quase certo o retorno dos atores Sérgio Guizé, Elizabeth Savalla, Flávia Alessandra, Camila Queiroz e Jeniffer Nascimento com os mesmos personagens no novo elenco.
Novo Mundo, criada em 2017 por Thereza Falcão e Alessandro Marson, foi outro campeão das 18 horas. Agradou em cheio a mistura de ficção com personagens reais da história do Brasil. A mesma dupla conseguiu aprovar a sinopse de Nos Tempos do Imperador, que mostrava o desenvolvimento da trama 40 anos depois.
Exibida somente em 2021, após adiamentos decorrentes da pandemia, não repetiu o sucesso esperado. Não se sabe se foi motivado pela distância temporal entre as exibições, o esgotamento da temática, a perda da mão dos realizadores ou outro motivo.
Elas por Elas virou seriado para enfrentar Silvio Santos
A versão original de Cassiano Gabus Mendes para Elas por Elas exibida na grade das 19 horas em 1982 voltou atualizada por Thereza Falcão e Alessandro Marson para o horário das 18. O remake não teve bom desempenho.
No entanto, na década de 1980, a novela original resultou no seriado dominical Mário Fofoca, focado no detetive atrapalhado interpretado por Luís Gustavo. Só que a Globo quebrou a cara ao acreditar que o popular personagem teria vigor para enfrentar o domínio de Silvio Santos.
Tai a prova de que nem sempre o que funciona em um formato, dia e horário repete a mesma performance em outras circunstâncias. O experiente Cassiano não acreditou na continuidade do projeto e se recusou a permanecer na equipe.
O seriado foi um fracasso. Durou apenas três meses, sendo exibidos apenas 17 episódios em 1983. Foram descartados episódios já escritos por Bráulio Pedroso, Carlos Eduardo Novaes e Luís Fernando Veríssimo, ou seja, foi jogado no lixo conteúdo em fases de produção, gravação e edição.
Um dos raros sucessos: Shazan & Xerife
Nos seus primeiros anos de liderança, a Globo desmembrou o folhetim O Primeiro Amor, de Walther Negrão, em 1972, dando novos rumos aos personagens de Paulo José e Flávio Migliaccio, que protagonizaram o infantil Shazan, Xerife e Cia., exibido até 1974.
Foi um dos raros casos de sucesso em continuidades de histórias na TV. A dupla ainda foi ressuscitada em Era uma Vez…, das 18, numa participação especial. Foi uma justa homenagem do seu criador ressuscitando os personagens em 1998 quando completavam aos 25 anos.
Já Benedito Ruy Barbosa resgatou Pituca e Serelepe que reapareceram adultos no folhetim Voltei pra Você em 1984. Foram criados pelo novelista originalmente como crianças em 1971 na primeira versão de Meu Pedacinho de Chão, uma coprodução da TV Cultura e da Globo. Essa mesma história virou remake em 2014 atualizada pelos filhos Edilene e Marcos Barbosa também como novela das seis, porém sem repetir o desempenho.
Rainha da Pérsia ganha Spin-off
A Rainha da Pérsia foi a terceira adaptação bíblica a trazer a emblemática personagem depois da História de Ester exibida em 1998, com um remake em 2010. A série encerrou semana passada com saldo bastante positivo em relação às últimas dramaturgias religiosas do canal,
Com esse clima de otimismo, os diretores estão confiantes na potencialidade do spin-off baseado no personagem Neemia, interpretado por Mário Bregieira, extraído da Rainha da Pérsia para ganhar vida própria com conteúdo entrando em produção para ser exibido ainda este ano.
Outras continuações da Record
A Record produziu uma trilogia desenvolvida por Tiago Santiago nos anos 2000. Os subtítulos Caminhos do Coração e Os Mutantes foram contados na média de 240 capítulos em 2007 e 2008. A saga foi encerrada de forma melancólica com Promessas de Amor em 2009, encurtada para 105 episódios devido à audiência declinante obtida da esgotada trama original.
Em 2004 a emissora encomendou a Tiago Santiago o remake de Escrava Isaura, cuja a primeira versão adaptada pelo então estreante Gilberto Braga em 1976 abriu as portas do mundo para a teledramaturgia brasileira. É a novela mais exportada até hoje.
Embora sem o sucesso estrondoso da primeira versão da Globo, o remake da Record empolgou a direção que buscou outro livro do escritor Bernardo Guimarães, a Escrava Mãe. Coube a Gustavo Reiz trazer a cena a complementação do clássico, sem praticamente nenhuma repercussão.
Fracasso da pioneira
Os spin-offs, embora raros e sem nomenclatura definida é um velho conhecido do telespectador brasileiro. A experiência pioneira e outros investimentos em continuidades não tiveram os resultados esperados, com raras exceções. Talvez por isso foram poucos investimentos desde então nessas produções, retomadas nos últimos anos motivadas pelas séries resultantes em outros produtos.
Em 1969, Beto Rockfeller, de Bráulio Pedroso, quebrou o paradigma vigente até então e imprimiu o modelo naturalista seguido até hoje pelas telenovelas nacionais. Diante do estrondoso sucesso, a direção da extinta emissora encomendou sua volta no ano seguinte em episódios semanais. Mesmo desenvolvida pelo mesmo autor e elenco protagonizado por Luís Gustavo e Bete Mendes, a série registrou um dos fracassos da emissora cassada.
Ainda, em 1973 a mesma Tupi apostou em outra novela com o mesmo autor e o mesmo personagem: A Volta de Beto Rockfeller, exibida às 20h30. O sucesso também não foi o mesmo.
Band também se deu mal
Depois das primeiras produções dramatúrgicas dos anos 1960, a então TV Bandeirantes investe pesado no virada para os anos 1980 em novelas. Pré-surgimento do SBT, com a Record ainda regional para São Paulo e a falência da emissora pioneira, a segunda rede do País passa a ser a da família Saad. Aproveitando o vácuo deixado pela Tupi, ela investira pesado novamente em teledramaturgia.
A Bandeirantes contratou a estrela novelística da Tupi, Ivani Ribeiro, antes que ela fosse reforçar a Globo. Ficaram entusiasmados com os índices de audiência da novela Cavalo Amarelo, estrelada por Dercy Gonçalves. Embora a autora tenha se recusado a estender sua história, foi dada continuidade à sua revelia com a comédia Dulcinéa Vai à Guerra, mantendo a protagonista e os principais papéis. A empreitada foi entregue a Sérgio Jockymann, que também abandonou o barco, que afundou nas mãos de Jorge Andrade.