
Burocraticamente e de forma melancólica, Raul Gil pega o seu banquinho e sai de mansinho. Assim foi a apresentação do último programa do veterano, que educadamente agradeceu à família Abravanel, que não tirou o chapéu para o veterano, sem uma retribuição à altura.
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São 14 anos nessa sua última passagem. Em sua primeira fase migrou com a extinção da TV Tupi para a independente e pioneira TVS do Rio de Janeiro até inaugurar a formação da rede de Sílvio Santos, Portanto, fez parte do primeiro quadro de funcionários da estação criada por Señor Abravanel.
A audiência do Raul não chega mais vencer a Globo, mas em geral ela caiu não apenas com ele, mas em toda a grade levando a estação para a terceira posição. Embora a idade e a dinâmica atual não justifiquem mais programas tão longos, chegando a ter seis horas de duração, a redução 120 minutos foi coerente.
Rebaixamento na programação
No entanto, a prova de sua força ainda vital foi o processo de saída aos poucos de sua presença no canal. Uma merecida homenagem poderia resultar em possível rejeição do público cativo e mesmo daqueles que não o dão audiência, mas que reconhecem sua história.
A data da última edição foi programada para o final do ano, período de menos telespectadores sintonizados, repercussão e de ausências temporárias de grandes nomes e reprises por conta das tradicionais férias televisivas.
Outro mecanismo de apagamento do veterano foi o rebaixamento de seu status dentro da programação. Desde o início do ano deixou de ser transmitido em rede nacional, ficando restrito ao público local de São Paulo e da praças que não possuem grades locais. Ou seja, sua retirada do ar para o restante do Brasil já tinha sido antecipada.
Perda de ícones
Com a morte de Sílvio Santos ganhou o status de ser o apresentador mais antigo em atividade. Merecia uma grande homenagem e não apenas agradecimentos protocolares. A ausência do criador do canal parece ter levado consigo o espírito fraterno que sempre diferenciou o SBT, que vem se especializando em desfazer-se de seus ícones, sem substituições à altura.
O tratamento dado agora a Raul Gil, contrasta com a história da própria empresa idealizada por Sílvio Santos. Foi a única do mundo a retirar sua programação do ar por um dia em sinal de luto pela morte do comunicador Flávio Cavalcanti, em 1986.
Raul, esse patrimônio da comunicação brasileira, com 86 anos de idade e quase 60 de atividade passou por todas as grandes redes de TV atuais e extintas, com exceção da Globo, que, ironicamente foi a única a fazer um tributo a esse ícone ocorrido em março deste ano, no Domingão com Huck.
Abandono dos Sábados
A perda de audiência e anunciantes da TV aberta rumo à internet e aos streamings agrava um quadro que vem se arrastando desde os anos 90. O sábado é o dia de performance mais fraca. Essa explicação vem do tripé econômico, social e cultural.
Com a mulher trabalhando fora, passou a ser a data das compras, salão de beleza, acompanhamento dos filhos… Por sua vez, é o dia preferido para comer fora, participar de agitos culturais e viajar. São fatores que afastam as pessoas das telinhas, refletindo na menor audiência semanal e, proporcionalmente, no menor interesse dos patrocinadores.
Visionários, Walter Clark e José Bonifácio de Oliveira Sobrinho já previam isso na década de 70, quando criaram o padrão da Globo, mantido até hoje. Para reduzir gastos, programaram as edições das três novelas e dos jornais Hoje e Nacional também para os sábados. Desta forma, esses produtos chegavam a esse dia com seus custos de produção já pagos pelos anunciantes do meio da semana.
Mesmo garantindo financeiramente o esqueleto da programação de sábado, esses mestres tinham consciência do respeito ao telespectador e da necessidade de dar um molho especial a esse dia, criando atrações específicas, apesar de serem menos rentáveis. Esse comportamento foi seguido por décadas pelas concorrentes.
Os lendários Reis dos Sábados
Além de Raul Gil, marcaram presença por longos períodos outros grandes nomes da comunicação, como Chacrinha – com passagens por vários canais – Edson Bolinha Cury – na Band –, Jorge Perlingeiro e João Roberto Kelly – com seus programas cariocas de samba.
Isso sem contar com as polêmicas reportagens das madrugadas feitas por Goulart de Andrade, a ironia de Perdidos na Noite, com Fausto Silva, e o Viva a Noite que marcou a estreia de Gugu Liberato.
Mais recentemente, também deram expediente no fechamento da semana televisiva, Angélica – com seu Milk Shake, na Manchete e Estrelas, na Globo –, Xuxa, Márcio Garcia e Rodrigo Faro – na Record –, e Gilberto Barros – na Band e RedeTV!.
Isso sem mencionar os primeiros anos da A Praça É Nossa, no SBT, o que deu uma surra na Globo fazendo-a criar o concorrente Zorra Total, obrigando Carlos Alberto de Nóbrega a migrar para o meio da semana.
Dia Fantasma
O panorama atual é fantasmagórico. A RedeTV! vendo o dia inteiro, assim como a local Gazeta de São Paulo. Sem praticamente nada de peso, a Band deslocou João, filho de Fausto Silva para os domingos e estende seu policial Brasil Urgente.
A Record também programa edições especiais dos controversos Balanço Geral e Cidade Alerta em meio a reprises de filmes e séries inexpressivas, mesmo caminho que vem sendo seguido pelo SBT, desde o encurtamento das 5 horas do Programa Raul Gil e, agora, sua com sua completa extinção.
Apesar de manter o consagrado Altas Horas, com Serginho Groisman, e dar continuidade ao Caldeirão, com Marcos Mion, a Globo também vem negligenciando seus sábados. Demitiu praticamente todos os apresentadores consagrados e de maiores salários do É de Casa, extinguiu os humorísticos da noite e os programas de início de tarde. Para tapar o buraco sem custos extras, recorreu à velha cartilha Clark/Boni e estendeu a reprise da novela das 14h para os sábados.
Vovô Raul
Sem Raul Gil, chega ao fim a presença de seus pioneiros da TV ainda em atividade. Isso porque dificilmente encontrará interesse das outras estações em manter seu tradicional formato. Isso apesar de ser uma produção de baixo orçamento, de custos divididos com a produtora do Raul. Mesmo com a fuga de público da TV aberta mantém seu público cativo e com potencial renovação.
Os quadros de calouros e talentos mirins do Vovô Raul é um investimento na formação do novo telespectador, ganhando ainda mais relevância diante de um quadro de total ausência de atrações para o público infantil e que será a garantia da audiência de amanhã.
Apesar disso, as estações demonstram ser muito mais cômodo aposentar suas tradicionais atrações ocupando seus espaços por produtos e realities de franquias internacionais, mesmo pagando royalties por eles e perdendo sua essência genuína brasileira.
As emissoras não entendem que largando mão do sábado e de novos investimentos, a migração do público e da verba publicitária para as novas mídias será ainda mais acelerada. A sua imobilidade e incapacidade de reagir e investir em seus talentos é o que realmente pode decretar o seu fim.