Enquanto o Brasil se consternava em luto diante da televisão, os bastidores da cobertura do acidente com aeronave da Voepass foram marcados por improvisos e desafios. Apesar das dificuldade de se chegar ao local, do impedimento de entrar no condomínio e na demora para liberação das informações básicas, as emissoras não pouparam esforços para levarem os fatos imediatos ao seu público.
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A TV aberta reassumiu o seu protagonismo midiático inclusive dissipando a propagação de Fake News e golpes que rapidamente se espalhavam pela internet. Como a tragédia ocorreu na tarde de sexta-feira, os chefes de redação tiveram que agir rapidamente para alterar o esquema de plantão do fim de semana, convocando uma força-tarefa emergencial.
Para os diretores de programação a tensão é ainda maior. Afinal, em questão de segundos precisam tomar decisões estratégicas que podem ou não serem exitosas sem praticamente tempo algum para pensar , consultar superiores ou discutir com os demais setores da empresa.
E essa faca de dois gumes pode resultar em resposta positiva da audiência e da credibilidade da emissora ou surtir efeito contrário numa linha tênue para uma derrapada sensacionalista. Isso sem contar que ao derrubar a programação estabelecida surgem efeitos colaterais inevitáveis como falta de continuidade, produção e conteúdo perecíveis jogados no lixo, não veiculação de comerciais já pagos e supressão do patrocinador daquele horário.
Globo: Olimpíadas ou Cobertura?
Apesar de contar com mais experiência, estrutura e profissionais, o maior desafio recaiu sobre a Rede Globo. Isso porque o desastre e seus primeiros desdobramentos coincidiram com os três dias finais das Olimpíadas. Seus diretores enfrentaram um verdadeiro dilema: atender o clamor popular por informações sobre o acidente ou manter as transmissões das provas finais do mundial, das quais detinha exclusividade.
Uma solução que poderia ter minimizado essa lacuna seria a adoção de uma tela dividida com áudio alternado. No entanto, essa técnica é raramente utilizada devido à sua complexidade e à necessidade de uma sensibilidade apurada da mesa de corte para identificar os momentos-chave dos eventos em destaque.
A Globo só se sentiu verdadeiramente liberada dessa tensão após a Cerimônia de Encerramento – em Paris, dedicando metade do Fantástico à cobertura da tragédia. No entanto, já era tarde. As outras emissoras, livres das amarras olímpicas, já haviam se aprofundado nos fatos, tornando o programa dominical repetitivo e sem grandes novidades.
SBT
A estação de Sílvio Santos foi beneficiada pelo acaso. A emissora havia acabado de restituir parte do horário do jornalístico noturno Tá na Hora, que anteriormente tinha sido confiscado abruptamente para acomodar a reprise da novela Caverna Encantada recém estreada as 20h45, mantendo no primeiro horário capítulos com uma semana de atraso em relação a original.
Esse retorno à programação completa possibilitou a entrada no ar de um plantão do Tá na Hora, que se estendeu até o Jornal do SBT, sob o comando de César Filho. Para isso, suspendeu a novela mexicana Contigo Sim e o programa Fofocalizando.
Essa agilidade e dedicação contrastam com o histórico do canal, muitas vezes taxado como alheio aos grandes acontecimentos e praticante de um jornalismo burocrático e com horários fixos, independentemente da gravidade e importância dos fatos. A resposta foi positiva, com índices de audiência superiores à programação regular, levando o Tá na Hora a alcançar seu recorde de audiência durante seu horário habitual.
Record
Com a Globo limitada em sua cobertura, a estação do Bispo Macedo mobilizou sua equipe para preencher a lacuna deixada pela emissora líder. Para ela não foi tão difícil pois já conta com grande parte de sua programação vespertina e noturna ao vivo. Ela e a Globo são as que mais possuem espaços dedicados ao jornalismo.
No dia da tragédia, suspendeu a terceira reprise da novela Apocalipse e entrou com um plantão comandado por Reinaldo Gottino, que manteve a cobertura até a entrega para o Cidade Alerta Nacional com Luiz Bacci, seguido pelo Jornal da Record.
Band
A empresa estava ainda de ressaca diante da mobilização de toda sua equipe para promoção de debates entre candidatos a Prefeitos em 19 cidades. Esperava colher os frutos da repercussão de seus encontros políticos regionais ocorridos no dia anterior. Diante disso, a Band demonstrou, inicialmente, estar entre as mais perdidas para lidar com a tragédia de sexta-feira.
A sua cobertura foi iniciada pelo ex-jogador Neto. Embora não tenha culpa da missão que lhe foi improvisada, esse episódio exemplifica como a estação estava despreparada. Casos como este podem abalar a credibilidade da casa construída ao longo de anos de apostas no segmento jornalístico.
As primeiras informações sobre a queda da aeronave surgiram enquanto estava no ar a versão paulista do programa esportivo Os Donos da Bola. Será que não havia na redação alguém mais aderente ao fato que pudesse assumir o plantão? Nem a Globo, que estava focada na cobertura das Olimpíadas, misturou os segmentos, interrompendo a transmissão esportiva para um plantão jornalístico comandado por Renata Vasconcelos, âncora do Jornal Nacional.
Essa situação atípica se prolongou até a entrada antecipada do programa policial Brasil Urgente, comandado por Joel Datena, que posteriormente passou o bastão da cobertura para o Jornal da Band.
RedeTV!
A atitude da RedeTV! mostrou que existe pouco a ser comemorado em seus 25 anos. Diferentemente das outras, manteve a atração sobre celebridades A Tarde é Sua, praticamente como se nada tivesse acontecido. A atração focou na divulgação da estreia do novo programa culinário de Edu Guedes que retorna ao canal e seu relacionamento com a apresentadora da Record, Ana Hickmann.
Mesmo com o script do programa pronto e já no ar, o canal poderia ter garantido uma estrutura mínima de reportagem para que Sonia Abrão improvisasse. Se até Neto conseguiu na Band, é certo que a jornalista também teria desempenhado esse papel para atender a urgência.
Fim de Semana
Se na Globo os desdobramentos dos fatos nos dias seguintes foram prejudicados pela divisão de espaço com as Olimpíadas, o mesmo não se pode dizer da Record. Com o Fantástico entrando no ar mais tarde, coube ao Domingo Espetacular fazer o primeiro balanço do acidente. No sábado, o Cidade Alerta e o Jornal da Record já tinham sido configurados para dedicação quase integral.
A prova de que mais tempo de tela necessariamente não representa maior abrangência é que o SBT pouco alterou o seu tradicional domingo comandado praticamente de forma integral por Celso Portiolli e Programa Sílvio Santos.
Já a Band, embebecida pelo seu próprio evento, desperdiçou o seu tradicional Canal Livre que apresentou um resumo de seus debates realizados na quinta-feira. A Rede TV manteve-se inerte também no fim de semana.
Tevês Fechadas
O engajamento das estações tradicionais encobriram seus próprios canais pagos como a Globonews, Bandnews e Record News, além das independentes CNN e Jovem Pan. Essas estações costumam ter seu público aumentado de forma substancial em grandes coberturas. No entanto, fatos extraordinários que geravam um grande fluxo para os canais de notícias tendem a não surtirem o ,mesmo efeito.
É que o grosso da audiência aqui no Brasil ainda é abocanhado pela TV aberta só gerando uma migração de público maior quando esses assuntos inesperados não estão sendo mostrados de forma ostensiva pelas estações tradicionais. E esse vácuo de notícias nos velhos canais está cada vez menor.
O movimento recente aponta que as grandes redes quebraram o tabu em derrubar sua grade de programação em situações como esta. O antigo medo foi superado quando começaram a perceber que não estavam perdendo público e sim aumentando sua audiência e repercussão de forma substancial com quebras de rotinas em prol de plantões e grandes coberturas.