Com uma carreira de 70 anos, mais de 200 livros publicados e passagem significativa pela imprensa brasileira, Ziraldo Alves Pinto vai além de “apenas” um grande cartunista e criador do Menino Maluquinho, de Flicts e tantos outros personagens e histórias. Nos anos 1980, o artista, falecido neste sábado (6) aos 91 anos, desenvolveu uma ideia para uma novela das 19h da TV Globo.
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Em 1985, a emissora deu início às atividades da Casa de Criação Janete Clair, liderada por Dias Gomes, cujo objetivo era colaborar com o desenvolvimento das atrações de dramaturgia que estivessem no ar e propor novos rumos e projetos para o setor. Estava incluído o intercâmbio entre a TV e valores da literatura, do teatro e de outras formas de arte. É aí que entra Ziraldo.
Conforme a edição de 2 de fevereiro de 1987 do Jornal do Brasil, o artista criou o argumento para uma novela, centrada na briga entre duas cidades do interior mineiro, São João de Esparta e São João de Olímpia, a partir de uma rixa real entre sua terra natal, Caratinga, e o município vizinho de São João de Jacutinga, que lhe foi contada por um amigo, Monsenhor Rocha, morto em 1984.
No começo do século 20, ao ser transferido para Jacutinga, um padre de Caratinga leva consigo uma imagem de São João. Uma grande seca se abate sobre a cidade, que acredita ser alvo de um castigo divino, e capangas caratinguenses invadem a cidade ao lado para reaver o santo, mas no caminho de volta são atingidos por um grande temporal.
Com o passar do tempo, São João de Esparta se converte numa cidade moderna, tecnológica, esportiva, ao passo que em São João de Olímpia tem o conservadorismo como raiz do comportamento de sua população, que habita os imóveis seculares, de arquitetura colonial, e é muito religiosa. O que as divide – fisicamente – é a Serra da Vergonha, bem como o Rio São João Primeiro, que deve ser desviado e alagar uma das duas quando for concluída a obra de uma usina hidrelétrica.
A ideia surgiu duas décadas antes, quando Ziraldo desenhava cartazes de produções do chamado Cinema Novo e escrevia roteiros de filmes. Juntou vários dos argumentos que criou nesse período e foi esse material que chegou à Globo. Uma mistura de elementos que aludem à Grécia Antiga e a obras do dramaturgo William Shakespeare e do cineasta Steven Spielberg – este inclusive apareceria como personagem da história a certa altura.
De Shakespeare, o bom e velho casal Romeu e Julieta (Romero e Júlia), separados pela briga das duas cidades e pela dúvida que paira na mãe da jovem de que os dois sejam filhos do mesmo pai, depois de uma noite que os dois municípios desejam esquecer; nela, um blecaute durante um baile de Carnaval fez com que todo mundo transasse. Todas as mulheres surgiram grávidas pouco depois…
O pai de Romero não é também pai de Júlia, filha de um extraterrestre chamado Marciano. Dado este fato, um ufólogo chamado Osni também é personagem da história, bem como um astrônomo que nega a existência do ET, chamado Dr. Olegário.
Carlos Lombardi e Antônio Mercado foram os responsáveis pelo desenvolvimento do argumento de Ziraldo para a possível realização de uma novela, cuja exibição estava prevista ainda para 1987. Mário Prata também fez contribuições para “engordar” a ideia inicial do cartunista, apresentada à Casa por intermédio de uma amiga que dela fazia parte, Marília Garcia – o baile de Carnaval e a obra da usina, por exemplo.
“Só louco escreve novela. A obra de arte é uma síntese; a novela é a anticoncisão, a disciplina do derramamento”, disse Ziraldo ao explicar que “não era louco” para assumir a condução de uma novela sozinho, sem experiência na função, e que os 25 personagens criados por ele teriam suas funções no enredo definidas por Lombardi e Mercado.
O título pensado inicialmente foi A Terra É Azul, como forma de homenagem ao astronauta soviético Iuri Gagarin, primeiro ser humano lançado ao espaço, no começo dos anos 1960. Infelizmente o projeto não saiu do papel.
No decorrer de 1987, a faixa das 19h para a qual A Terra É Azul estava destinada foi ocupada por Brega & Chique, de Cassiano Gabus Mendes, a partir de abril, e em seguida por Sassaricando, de Silvio de Abreu, estreada em novembro. Já em 1988, no mês de junho, o horário passou a apresentar uma história de Lombardi, Bebê a Bordo, mas que era totalmente diferente.