Crítica de TV

Garota do Momento tem estreia ágil e promete novela atrativa e moderna na faixa das seis

Autora demonstra potencial renovado para unir ingredientes do horário a uma história de tom progressista

Publicado em 04/11/2024

Começo dos anos 1940, Petrópolis, Rio de Janeiro. Lavadeira com talento para a pintura, a viúva Clarice (Carol Castro) deixa a filha pequena aos cuidados da avó, Carmem (Solange Couto), e vai para o Rio de Janeiro tentar a sorte. Prevê voltar em duas ou três semanas, mas um turbilhão de acontecimentos faz com que ela perca a memória e abandone involuntariamente a filha verdadeira.

“Verdadeira” porque o fraco Juliano (Fábio Assunção), por quem ela se apaixona, a sua mãe megera, Maristela (Lília Cabral), criam um falso passado para Clarice depois que ela sofre um acidente e perde a memória – incluindo aí uma falsa irmã, Zélia (Letícia Colin), e a maternidade de Isabel, rebatizada como Beatriz, já que a moça se lembra do nome da filha que tem.

Final da década de 1950. As duas Beatriz – uma pobre, negra, que acredita-se abandonada pela mãe (Duda Santos), e outra rica e festejada, mimada por todos (Maisa) devido a uma doença cardíaca congênita – se encontram e se veem apaixonadas por um mesmo rapaz, Beto (Pedro Novaes), fotógrafo e jornalista de ideias progressistas, em conflito com o pai, Raimundo (Danton Mello).

Em linhas gerais, a trama da nova novela das 18h da TV Globo, Garota do Momento, de Alessandra Poggi, parte desses personagens, e do entrelaçamento dos destinos unidos por Maristela e Juliano ao prejudicar a vida de Clarice apenas para proteger o mulherengo de problemas com a polícia e a Perfumaria Carioca, propriedade da família, depois que ele por acidente acaba matando uma amante, Valéria (Júlia Stockler), verdadeira mãe de Isabel – ou melhor, de Bia -, e tudo é presenciado por Clarice.

A começar pela mocinha Duda Santos, a novela tem muitos atores negros no elenco – e completa um trio inédito na TV Globo, com as novelas inéditas da casa todas protagonizadas ao mesmo tempo por atrizes negras. Às 19h temos Jéssica Ellen como a Madalena de Volta por Cima, de Claudia Souto, e às 21h Gabz vive a Viola de Mania de Você, de João Emanuel Carneiro.

Esse espírito progressista e moderno da novela, tanto em consonância com necessidades e possibilidades da dramaturgia de hoje quanto em relação à época retratada, de efervescência e espírito de mudança de uma geração inquieta, tem no Clube Gente Fina um expoente. Vera (Tatiana Tibúrcio) e Sebastião (Cridemar Aquino), governanta e motorista da família de Beto, mantêm esse espaço que é ponto de encontro de jovens, artistas e intelectuais.

No Clube Gente Fina, a trama de Garota do Momento constitui um ponto de pertencimento para os personagens negros e de convivência antirracista, embalada por samba, blues, rock, choro, debates e oficinas culturais, no Rio de Janeiro agitado dos dias da Bossa Nova, dos chamados anos dourados.

O primeiro capítulo apenas lançou as bases da história central, e terminou com Beatriz e Beto se conhecendo em meio à passagem de um bloco de Carnaval, assim que ela chega ao Rio de Janeiro disposta a confrontar Clarice, a mãe que ela pensa tê-la abandonado, sem saber da cruel história em que ela se meteu, na qual Maristela, Juliano e Zélia têm responsabilidade total.

Cabe aqui um comentário que diversos telespectadores podem ter feito, mesmo antes da estreia da novela: sim, Lília Cabral vive o papel de mãe de Fábio Assunção, embora não tenha idade para isso. Acredito que na primeira fase, muito breve, o estranhamento em relação a isso é maior, mas depois a gente se acostuma. Não deve ser nada como Gabriel Braga Nunes chamando Ana Beatriz Nogueira de mãe, como na trama das 21h Em Família (2014).

Foi uma estreia ágil, envolvente, bem interpretada, bem escrita e que mostrou que Alessandra Poggi muito provavelmente terá a habilidade necessária, num horário mais delicado em relação ao tom das narrativas como é o das 18h, para unir romance, sonho, intriga, representatividade, vilanias e catarses, em meio a bonitos cenários e boa reconstituição de época, figurinos de encher os olhos e trilha sonora nostálgica. Inclusive tudo isso já houve em seu trabalho anterior, que deu certo no mesmo horário: Além da Ilusão (2022).

Carol Castro foi o grande destaque da estreia, e promete ser o da própria novela, em que pese a convivência com tantos talentos que terá pelos próximos meses. Sua Clarice convenceu e emocionou. Bem como a Maristela de Lília Cabral despertou o ódio do noveleiro desde já, o que não deve ser diferente do que a Zélia de Letícia Colin deve merecer.

Fábio Assunção tem nas mãos o papel de um homem bonito, conquistador, dominado por uma mãe má, para quem a vida sempre foi fácil. O que não quer que o papel seja, e ele tem experiência e talento para levar Juliano adiante. Duda Santos, depois da Maria Santa do remake de Renascer, ganha sua primeira protagonista de novela inteira, com talento, beleza e empatia promissores na TV.

Vale um elogio a mais para a abertura, que ao som de ‘Tutti-Frutti’ com Little Richard resume a história da novela, numa animação bem colorida e movimentada. Mostra que é possível fazer algo interessante e adequado sem colagens aleatórias ou um tom de comercial.

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