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Cortina de Vidro: em 1989, novela marcou dramaturgia do SBT por problemas e incêndio

Walcyr Carrasco assinou o texto, num projeto tumultuado que marcou o início dos folhetins de produção independente na nossa TV

Publicado em 29/10/2024

Depois de um período de cerca de dois anos sem exibir novelas, mesmo em reprise, e com seu horário nobre ocupado especialmente por séries estrangeiras, o SBT estava disposto a trazer de volta os folhetins à sua grade em 1989. Carlos Augusto “Guga” de Oliveira, irmão de José Bonifácio “Boni” de Oliveira Sobrinho, o todo-poderoso da TV Globo, desenvolveu um projeto e ofereceu-o a Silvio Santos.

Com sua produtora, a Art Video Produções, aliada à Miksom, responsável pelo aspecto técnico, caberia a Guga produzir a história, e a Silvio exibi-la. Os lucros de publicidade e de vendas no mercado internacional seriam repartidos igualmente. Intitulada Cortina de Vidro, essa foi a primeira experiência do gênero na teledramaturgia brasileira. A estreia ocorreu em 23 de outubro de 1989.

Autor de novelas revolucionárias como Beto Rockfeller (Tupi, 1968-1969) e O Rebu (TV Globo, 1974-1975), Bráulio Pedroso criou um argumento, desenvolvido por Walcyr Carrasco – então estreante no gênero – e com pitadas do próprio Guga, confessadamente inspiradas em filmes famosos como Norma Rae, Adorável Pecadora, Rede de Intrigas, Um Estranho Casal e Fama.

O nome de Walcyr – que trabalhou com Miguel Angelo Filiage – para cuidar do texto surgiu de uma experiência anterior do então jornalista com Guga e sua produtora, em episódios da série Joana (1984-1985), exibida no mesmo SBT e protagonizada por Regina Duarte.

Depois de alguma indefinição quanto ao melhor horário para a exibição de Cortina de Vidro, o SBT e Guga definiram que o melhor seria encaixá-la por volta de 19h40, 19h45, logo após o fim do capítulo da novela das 19h da TV Globo. Entre 19h45 e 20h30 a emissora líder exibia seus telejornais locais e o Jornal Nacional, diferentemente de hoje, já que há anos acompanhamos o noticiário regional entre as novelas das 18h e das 19h.

Guga de Oliveira respondia pela direção, que contava ainda com John Herbert – que também atuava como ator, no papel de Felipe – e Álvaro Fugulin. A previsão inicial era de que fossem feitos 180 capítulos, ao custo médio de 15 mil dólares cada, e se estimava que a audiência chegasse aos 10 pontos.

A produção foi inicialmente centrada no Edifício Dacon, na esquina das avenidas Brigadeiro Faria Lima e Cidade Jardim, zona oeste da capital paulista. Na ficção ele era propriedade do rico empresário Frederico Stuart Mill (Herson Capri), tão rico que só se locomovia de helicóptero.

Cortina de Vidro
Odilon Wagner, Sérgio Mamberti e Herson Capri em Cortina de Vidro (Reprodução/SBT)

Alvo da paixão de sua companheira de trabalho, a prima Glória (Esther Góes), Frederico deseja se aproximar da bailarina Branca (Betty Gofman), e para isso inicia uma vida dupla, já que não quer que a jovem se aproxime dele devido a sua condição e vem de uma desilusão amorosa. Para Branca ele é Fred, ator pobretão que deseja integrar o elenco do mesmo espetáculo que ela.

Oito estúdios foram construídos especialmente para as gravações, reproduzindo ambientes como os escritórios da holding de Frederico, uma academia de ginástica, uma agência de modelos, um restaurante, uma corretora de valores e uma agência de publicidade, nos quais transitavam os personagens.

Como contraponto a esse mundo da elite paulistana, todo um núcleo de operários têxteis, trabalhadores da Tecelagem Santa Inocência, integrado por Ângela (Sandra Annenberg), Giovanna (Débora Duarte), Dantas (Raymundo de Souza), Romão (Geraldo Del Rey), Nicolau (George Otto) e Sílvia (Miriam Mehler, numa participação especial no início), mãe de Ângela e Nicolau, entre outros.

Fogo no edifício

Sandra Annenberg em Cortina de Vidro e ao lado com o ator Jayme Periard (Divulgação)
Sandra Annenberg em Cortina de Vidro e ao lado com o ator Jayme Periard (Divulgação)

Os custos de produção eram bastante altos, e poderiam representar um problema, embora as cotas de patrocínio tenham sido vendidas com êxito no início do projeto. Todavia, um tormento realmente grande atrapalhou a realização da novela.

Foi necessário liberar as instalações do Dacon nas quais se gravavam os capítulos para o proprietário, o Banco Luso-Brasileiro, que não concordou em ceder o espaço para as gravações. A solução pensada por Walcyr foi um incêndio no prédio, no qual diversos personagens morreram – aqueles cujos cenários eram os montados no Dacon – e uma virada na história pôde ser implementada.

Foi uma solução bastante drástica, que muitos comparam ao terremoto na ilha em que se passava a trama de Anastácia, a Mulher Sem Destino (Globo, 1967), criado por Janete Clair para enxugar os custos e reinventar a novela.

Walcyr garante que não se inspirou nesse expediente utilizado pela “Maga das Oito” e foi movido pela necessidade, uma vez que não seria mais possível centrar sua ação no edifício, conforme entrevista concedida a André Bernardo e Cíntia Lopes para o livro ‘A Seguir, Cenas do Próximo Capítulo’ (Panda Books, 2009).

Em consequência do grande trauma provocado pelo incêndio, Frederico perde a memória e é ajudado por Ângela, moça de realidade completamente diferente da sua. Pronto, estava formado um novo par romântico. Branca, por sua vez, foi uma das vítimas do sinistro. No entanto, o envolvimento de Frederico e Ângela já estava previsto pela sinopse.

Perto do final, uma grande ousadia: o estupro de Michelle (Carola de Oliveira, a futura “Princesa” e esposa de Chiquinho Scarpa, filha de Guga, falecida em 2011 aos 39 anos) pelo próprio pai, o corretor de valores Arnon Balakian (Antonio Abujamra), responsável pela falência da Tecelagem Santa Inocência no começo da história, em tramoias que contaram também com a participação de Glória.

Francisco Cuoco, Tarcísio Meira, Lucélia Santos, Cássia Kiss, Lúcia Veríssimo, Nívea Maria, Nuno Leal Maia, Bruna Lombardi, Carlos Alberto Riccelli, Malu Mader, Taumaturgo Ferreira, Maria Zilda Bethlem, Paulo Betti, Lucinha Lins, Luma de Oliveira, Clodovil, Ney Matogrosso e Bibi Ferreira constaram das tentativas de contratação de Guga de Oliveira para a novela.

Nívea chegou a iniciar as gravações na pele de Glória, mas questões de família levaram-na a deixar o trabalho e a personagem passou a Esther Góes. Por outro lado, Betty Gofman, Jayme Periard, Odilon Wagner, Liza Vieira, Cláudio Curi e Aldine Müller deixaram a novela antes do fim.

Cortina de Vidro terminou em 5 de maio de 1990, com 168 capítulos. A emissora voltaria a produzir suas próprias novelas no fim daquele mesmo ano, com a contratação do diretor Walter Avancini e o projeto de Brasileiras & Brasileiros, que também não deu certo. Só mesmo em meados dos anos 1990, com Éramos Seis e outras histórias, o núcleo agora liderado por Nilton Travesso alcançou sucesso, repercussão e faturamento significativos.