Chico Buarque, 80, hoje celebrado pela TV Cultura, mandou retirar sua música do Roda Viva

Publicado em 19/06/2024

A TV Cultura, como todos os cadernos culturais que se prezam em jornais brasileiros, celebra com ênfase os 80 anos do nosso maior compositor popular. Algumas das raríssimas entrevistas dadas por Chico Buarque de Holanda, assim como cenas preciosas diante das câmeras, fazem parte do acervo da emissora e serão salpicadas ao longo da programação da TV e das rádios da Fundação Padre Anchieta (FPA) – confira a agenda ao pé deste texto.

Chico completa  oito décadas nesta quarta-feira, 19 de junho, com vasta obra em verso e prosa para ser apreciada, ouvida, cantarolada e altamente festejada.

Na efeméride prezada pela rádio e televisão Cultura, cabe celebrar também a certeza de que a emissora reencontrou parte dos princípios de seu DNA, ao zelar pela pluralidade de ideias e pela palavra que batiza o canal da Fundação Padre Anchieta (FPA). A gestão atual, bem conduzida por José Roberto Maluf, coloca a cultura e o factual acima de picuinhas ideológicas, coisa que em tempos não muito distantes acabaram por ofuscar e deixar de reverenciar obras referenciais.

Era ainda 2016 quando Chico, incomodado com a conivência do canal aos métodos que legitimaram a troca de Dilma Rousseff por Michel Temer na cadeira da presidência da República, mandou cortar da abertura do Roda Viva a música homônima, de sua autoria.

Lançada no icônico Festival da Record de 1967, “Roda Viva” era utilizada em versão instrumental na abertura do mais tradicional programa de entrevistas da TV brasileira havia anos, sem que o cantor jamais cobrasse royalties por isso. Se Chico já vinha se asborrecendo com os rumos pouco pluralistas da emissora entre 2015 e 16, a gota d’água veio em novembro daquele ano, quando viu Temer ocupar o centro das atenções do Roda Viva em uma entrevista que considerou amigável para o então novo presidente.

Consta que só na ocasião, ao consultar seus advogados sobre o uso da música e o fim de um possível contrato de concessão para tanto, o compositor tomou ciência de que o uso de “Roda Viva” no Roda Viva não ocorria sob qualquer compromisso contratual, mas sim sob cessão gratuita acertada anos antes com Fernando Faro, responsável pelo primoroso programa Ensaio. Faro morrera em abril de 2016.

Para não reconhecer a perda, a TV Cultura, à época regida por Marcos Mendonça, justificou oficialmente que lançaria um novo tema musical para o Roda Viva, sob o pretexto dos 30 anos do programa. Só esqueceu de notar o quanto estava atrasada para a efeméride, visto que sua primeira edição, com o senador Paulo Brossard foi ao ar em setembro de 1986.

A TV Cultura, com seus altos e baixos, é ainda reconhecida como a mais bem-sucedida emissora pública do país, e mesmo que a modesta audiência não endosse as pesquisas, é vista sob enorme admiração dos paulistas.

Como veículos que dependem da verba do Governo do Estado de São Paulo para respirar, as rádios e a televisão Cultura têm seus conteúdos regidos basicamente pelo humor e o caráter do titular do Palácio dos Bandeirantes. Embora tenha autonomia por meio de um conselho formado por mais de 40 pensadores, a FPA costuma sofrer grande pressão do governador para seguir uma linha editorial aliada aos interesses de quem libera o dinheiro.

O Roda Viva, como título mais conhecido e de maior repercussão do canal, é diretamente afetado por essa política, mas a interferência ocorre em maior ou menor grau e só se consuma de acordo com a habilidade de cada presidente da FPA em estabelecer limites para tanto. O jornalista Ricardo Lessa, que ancorou o Roda Viva, relata em livro como funcionam essas relações.

Maluf, eleito para o cargo na gestão do governador João Doria, foi reeleito para o posto em 2022, e tratou logo de renovar o contrato de Vera Magalhães para o Roda Viva, tirando do radar do então futuro governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, possíveis intervenções no programa.

Dito isso, vamos ao que interessa, que o tempo rodou num instânte, às voltas do meu coração.

  • Na sexta-feira (21/6)às 20h, o Metrópolis exibe uma reportagem especial sobre Chico Buarque com destaques ao seu legado para a música, literatura e luta pela democracia. legado premiadíssimo, com Grammys Latinos, Jabutis, APCAs, Camões, Prêmio da Música Brasileira, Oceanos e outros. A atração conversa com a jornalista e crítica Patricia Palumbo, que contextualiza a vida e obra do cantor; com o escritor André Simões, que acaba de publicar “Chico Buarque em 80 canções”, uma análise da sua carreira a partir das mais emblemáticas músicas; e ainda, um bate-papo com a cantora Claudette Soares, que lançou o “Claudette canta Chico”, disco de regravações em tributo aos 80 anos do artista.
  • Na madrugada passada, foi ao ar o MPB Especial com Chico Buarque, de 1973. Com apresentação do mestre Fernando Faro, foi gravado poucos anos depois do retorno do cantor do autoexílio na Itália. Por meio de um importante relato sobre a produção artística de Chico da época, registrou-se um documento significativo não somente para a compreensão da obra do autor, mas também por expor faces e nuances de seu processo de criação.
  • Claudete estará no Balaio, no domingo (23/6), a partir das 9h, apresentando as canções Bom TempoCarolina e Januária, e conta para Chico e Renato Teixeira quando encontrou o compositor pela primeira vez.
  • Na Rádio Cultura Brasil (77,9 MHz), o aniversário toma toda a programação desde zero hora desta quarta. A programação começou com duas horas dedicadas à voz do homenageado interpretando suas músicas e com trechos de entrevistas que ele concedeu à TV Cultura para os programas Vox Populi e Ensaio.
  • A programação contempla ainda as mulheres na obra do compositor; músicas escolhidas e comentadas por estudantes; Chico Buarque e a música de raiz; as músicas para cinema de Chico Buarque e os temas que compôs para teatro e musicais.
  • Para as 10h, em um programa do acervo da emissora, Pasquale Cipro Neto comenta o repertório do compositor. Fechando a manhã, às 11h, o ouvinte confere o primeiro episódio da série Chico de trás pra frente, produzida e apresentada pelo crítico musical Sidney Molina.
  • Do meio-dia às 17h, uma linha do tempo percorre os quase 60 anos de carreira, além de depoimentos exclusivos de fãs do artista como Adriana Calcanhoto, Dori Caymmi, Roberto Sion, Cristian Budu, Luis Tatit, Verônica Ferriani, Heloá, Edgar Scandurra, Ná Ozzetti, Juliana Amaral, Francis Hime e Julio Medaglia. Logo em seguida, João Marcello Bôscoli apresenta o Contraponto com o encontro de Chico e Elis Regina e os grandes sucessos do compositor. Às 18h, as notícias do De volta pra casaserão pontuadas por temas instrumentais de Chico Buarque.
  • À noite, as homenagens continuam com a veiculação, às 20h, do show O Grande Circo Místico, gravado em São Paulo no mês de dezembro de 2023, e que marcou o encontro da cantora Vanessa Moreno com o pianista Cristóvão Bastos.
  • Às 21h, o destaque vai para as músicas do álbum Até Pensei que Fosse Minha, do cantor português Antonio Zambujo interpretando o homenageado. Às 22h, a programação traz gravações de Chico feitas em dueto com Mônica Salmaso, Francis Hime, Caetano Veloso, Ney Matogrosso, Elza Soares e Miúcha, entre outros. Para encerrar as homenagens, a última hora do dia será voltada para Chico Buarque em leitura regional, dos quatro cantos do país. Brasistraz repertório que inclui as canções “A Permuta dos Santos”, “Cio da Terra”, “Levantados do chão” e “Assentamento”.