No ar pelo canal GNT às quintas-feiras e disponibilizado no GloboPlay na sequência, o The Taste Brasil chegou à sua 7ª temporada com espaço extra – um baita espaço, diga-se. O programa com Felipe Bronze, Claude Troisgros, Manu Buffara e Manu Ferraz entrou na grade da TV aberta, um salto gigantesco em termos de plateia. Ainda que lhe caiba as noites de sexta após o Globo Repórter, um horário pouco convidativo no contexto do universo de TVs ligadas, a vaga tem extraordinário alcance se comparada ao pontencial do universo dos assinantes de TV paga e streaming.
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Mas o que assegura o êxito dos programas que propõem ao espctador que ele “coma com os olhos”? A tecnologia alterou drasticamente a experiência de vermos TV ao longo de mais de sete décadas, mas todas as sensações que a tela nos proporciona hoje ainda não é capaz de transmitir noções de aroma e paladar. Mesmo assim, cozinha diante das câmeras é receita infalível desde os tempos da Ofélia Anunciato – um ícone da história da televisão brasileira, que fez carreira pela TV Bandeirantes.
Uma convergência de fatores explica a receita:
- A comida naturalmente cativa sob todos os aspectos: sana a fome, satisfaz a gula e é imbatível também na sedução alheia, quando se quer conquistar alguém pelo estômago e alimentar a memória afetiva que se constrói ao redor da mesa. O assunto abraça quem cozinha e quem come, ou seja, todo mundo. Mesmo que o sujeito desista do programa e se deixe levar pelo zapping, é muito provável que ele pare ali para ver do que se trata.
- Como o consumo de comida é zero supérfluo, este é também o último item a ser cortado do orçamento doméstico em momentos de crise econômica. Dessa forma, sempre haverá anunciantes do segmento interessados em ocupar as vitrines e pratelerias de atrações dedicadas à arte de comer, seja no cenário da Ana Maria Braga ou do Masterchef. Para a TV, potencial publicitário é premissa central para colocar um programa no ar.
Titular da Moonshot, produtora responsável pelo The Taste Brasil, Roberto Dávila tem experiência no ramo. Bem antes do Masterchef, ele já embarcava no Fusca de Olivier Anquier para o Diário do francês e, mais tarde, de seus reality shows. No The Taste Brasil da vez, a dinâmica central se mantém, com os mentores selecionando competidores às cegas e montando um time com quatro cozinheiros cada um, na disputa pelo troféu e um prêmio de R$ 100 mil.
É um The Voice do sabor, com a diferença, pontua Dávila, de que a comida não pode saboreada na mesma medida em que uma voz é ouvida pelo espectador.
E, luxo dos luxos, o time de convidados desta safra do Taste inclui Rodrigo Santoro, Jonathan Azevedo, Milton Cunha, Sheron Menezes, Ana Clara Lima, Ana Hiraki, Fernanda Mota e Giovana Cordeiro.
É nesse ponto, o do material humano capaz de provocar emoções, que a TV supera sua incapacidade de transmitir os aromas e abraça, com louvor, quem está do outro lado da tela. A Dávila, interessa contar as histórias daquelas pessoas que se submetem ao crivo dos grandes chefs, jurados que são referências aos aspirantes em questão, e focalizar o enredo de cada candidato desde a primeira peneira do reality.
Da Ofélia para cá
“A culinária sempre esteve na televisão, mas [antigamente] era no horário vespertino ou matutino, e era uma coisa mais leve, mais descompromissada. Para o assunto migrar para o horário nobre, era preciso ter um elemento de entretenimento mais forte, e há formas diferentes para se fazer isso. Uma delas é tornar aquilo uma competição”, diz o produtor.
A necessidade de provocar engajamento também explica o teor mais rude no discurso dos chefs que comandam esse tipo de programa, gerando algum conflito para provocar o espectador. O grande referencial desse personagem, lembra Dávila, atende por Simon, o adorável jurado ácido do American Idol, um ícone de malvado favorito mundial.
Não só dos tempos da Ofélia para cá, mas bem mais recentemente, ou desde que os realities impulsionaram a presença da gastronomia no horário nobre, uma mudança notória na televisão é a preocupação em formar elencos em que a diversidade esteja bem representada.
Dávila observa que a questão está contemplada no The Taste, o que demandou a escalação de um grupo com várias ofertas de sotaques, estaturas e cores distintas já a partir do elenco que disputaria as vagas no reality. Era necessário que o ponto de partida tivesse um grupo bastante plural. As escolhas do júri, afinal, são às cegas e só levam em consideração o sabor e a apresentação das pequenas porções propostas pelos candidatos em uma colher.
Os candidatos do The Taste naturalmente exibem habilidades que ficam mais próximas de um bom profissional do que de um cozinheiro amador, até para levar àquele júri as emoções reivindicadas. O nível de sofisticação, acredita Dávila, não afasta o espectador mais simples, uma figura certamente preponderante na audiência da TV aberta. Mas, de novo, a maneira como a história daquele cozinheiro é apresentada será crucial para seduzir a plateia.
Para se ter uma ideia, a temporada atual tem candiato que já foi sous-chef do Dom, um dos mais respeitados restaurantes brasileiros, e gente que também já passou pelas cozinhas de Troisgros e Bronze.
Televisão, da notícia ao show, é emoção. E é dessa palavra que deriva também o principal argumento dos mentores na hora de justificar quem sai e quem fica no programa. “Isso não me emocionou”, sustenta Troisgros diante de uma candidata. Ou “Eu me emocionei”, ouve outro aspirante ao aval do programa.
“Quando ele sente que é uma coisa realmente fora do padrão, eles se emocionam. Depois eles interagem mais com a pessoa, ganham um repertório sobre ela, mas a gente vê também o emocional de quem está ali cozinhando, seja por ansiedade ou nervosismo, seja por alguma coisa que aconteceu com ele, por alguma notícia muito forte, uma experiência que afetou aquele momento. Isso te atravessa. E isso é que é bonito no programa: você vê aqueles caras, que são supertécnicos, e enxerga esse atravessamento. Por isso a gente gosta de fazer com muita verdade, porque aparece [para o público] e é o mais legal da prova cega.”
Sem perder a verdade de vista, a edição que retrata o enredo de cada candidato flerta até com elementos da dramaturgia, à medida que os conflitos na busca pelo êxito vão surgindo em meio à gincana gastronômica. De perto, ninguém é normal, como canta Caetano, e todo mundo é único.
O The Taste Brasil vai ao ar às quintas-feiras, às 22h30, no GNT e Globoplay até 12 de dezembro, com uma hora de edição e melhor contemplação das histórias e seus sabores; e às sextas-feiras, na TV Globo, após o Globo Repórter, até 13 de dezembro, em versão ligeiramente mais compacta.