Sinopse

Há dezessete anos, em Asa Branca, pequena cidade no Nordeste brasileiro, o coroinha Roque Santeiro, assim conhecido por sua habilidade em esculpir santos, logo após seu misterioso casamento com a desconhecida Porcina, tombou morto ao defender a população dos homens do bandido Trovoada. Santificado pelo povo, que lhe atribui milagres, Roque tornou-se um mito e fez prosperar a cidade em torno da sua história de heroísmo.

Os poderosos de Asa Branca são os principais interessados em manter o mito de Roque Santeiro – como o prefeito Florindo Abelha e o comerciante Zé das Medalhas, principal explorador do santo. O maior beneficiado é o fazendeiro Sinhozinho Malta, amante da Viúva Porcina, que nunca foi casada com Roque e sempre viveu à sombra de uma mentira articulada por Malta. Mentira institucionalizada para fortificar o mito e tirar vantagens pessoais.

Globo – 20h
estrearia em 27 de agosto de 1975

novela de Dias Gomes
direção de Daniel Filho

FRANCISCO CUOCO – Roque Santeiro
BETTY FARIA – Viúva Porcina
LIMA DUARTE – Sinhozinho Malta
MILTON GONÇALVES – Padre Honório (equivalente ao Padre Hipólito em 1985)
LUTERO LUIZ – Florindo Abelha
EVA TODOR – Dona Pombinha
THERESA AMAYO – Mocinha
EMILIANO QUEIROZ – Zé das Medalhas
DÉBORA DUARTE – Lulu
DENIS CARVALHO – Roberto Mathias
ROSAMARIA MURTINHO – Matilde
ELIZÂNGELA – Tânia
ELZA GOMES – Dona Marcelina
ANDRÉ VALLI – Gerson do Valle
SANDRA BARSOTTI – Linda Bastos
LUIZ ARMANDO QUEIROZ – Tito Moreira França
MARIA CRISTINA NUNES – Selma Sotero
WALDIR MAIA – Professor Astromar Junqueira
JOÃO CARLOS BARROSO – Toninho Jiló
CATULO DE PAULA – Cego Jeremias
GERMANO FILHO – Beato Salu
DARY REIS – Delegado Feijó
LADY FRANCISCO – Rosaly
LEINA KRESPI – Ninon
RAFAEL DE CARVALHO – Trovoada (equivalente ao Navalhada em 1985)
ILVA NIÑO – Mina
IVAN DE ALMEIDA – Rodésio
CIDINHA MILAN – equivalente ao João Ligeiro em 1985
MALU ROCHA – Dondinha
WÁLTER SANTOS – Luisão
HAYDÉE FERNANDES – Ciana
JOSÉ MARINHO
GEORGIANA DE MORAES
HÉLIO FERNANDO
ROBERTO AZEVEDO
GILSON MOURA
EUGÊNIO SANTOS
ÉLCIO ROMAR

Antecedentes

Em 1975, em comemoração ao décimo aniversário da TV Globo, a emissora programou o lançamento da novela A Saga de Roque Santeiro e a Incrível História da Viúva que Foi Sem Nunca Ter Sido – ou simplesmente Roque Santeiro -, escrita por Dias Gomes e dirigida por Daniel Filho, a nova atração do horário das oito da noite que prometia inovar o gênero.

Daniel Filho pretendia dar uma arejada na grade da Globo. Em seu livro “Antes que me Esqueçam”, declarou:
“Tínhamos planejado uma mexida no horário das oito da noite. Eu pensava que os melodramas de Janete Clair deviam ser revistos. Achávamos que era preciso dar uma renovada naquilo. Talvez fosse o momento de passar o horário das dez, que era mais de experiência e pesquisa de linguagem, para as oito. Era preciso levar para as oito o melhor autor das dez, Dias Gomes. (…) Os melodramas de Janete Clair levavam a muitas fantasias, e a crítica político-social do Dias Gomes, mais seca e ferina, dava margem para que fizéssemos um belo trabalho.”

A sinopse foi mandada para a censura junto com vinte capítulos escritos, como era exigido na época, tendo sido aprovada para as 20 horas, conforme ofício do chefe da censura, Rogério Nunes, em 04/07/1975. (“Livro do Boni”)
A produção seguiu a todo vapor. O livro “Janete Clair, a Usineira de Sonhos” (de Artur Xexéo) dá conta de que a novela já tinha 51 capítulos escritos, quase 30 gravados e 10 editados. Já o “Livro do Boni” informa que foram gravados 36 capítulos.

Censura

A novela estrearia na segunda-feira do dia 25/08/1975, em substituição a Escalada, de Lauro César Muniz. No dia 20, houve uma reviravolta. Ajustou-se uma segunda data: quarta-feira de 27 de agosto. O departamento de Censura Federal, depois de assistir aos capítulos gravados, oficiou a Rede Globo que Roque Santeiro só poderia ser exibida às 22 horas, assim mesmo com cortes que destruiriam a obra e impediriam a sua compreensão. Tentou-se ajustar a novela às exigências da censura e ver se era possível liberar Gabriela, a atração das 22 horas, para mais cedo, permitindo uma inversão. O pedido foi negado pela censura. (“Livro do Boni”)

Pairava no ar o receio de que a novela não fosse liberada pelo Governo Federal. A Globo acreditava que a situação se resolveria. Na verdade, a equipe da novela apostava que, mais cedo ou mais tarde, o dono da emissora, o empresário Roberto Marinho, conseguiria a liberação com o próprio ministro da Justiça, Armando Falcão, com quem tinha um estreito contato. Dias Gomes só percebeu que a situação estava mesmo difícil quando soube, poucos dias antes da estreia prevista, que Falcão não estava atendendo aos telefonemas de Marinho. (*)

Na noite de 27/08/1975, faltando poucos minutos para começar a atração, o apresentador Cid Moreira deu a notícia no Jornal Nacional e leu o editorial escrito por Armando Nogueira, então diretor do telejornal, anunciando o veto.

O Governo justificava: “A novela contém ofensa à moral, à ordem pública e aos bons costumes, bem como achincalhe à Igreja.”

Na verdade, as autoridades se sentiram atingidas porque enxergaram na trama uma crítica a si. A história da novela narrava a farsa de Roque Santeiro, institucionalizada pelo poder para tirar vantagens próprias. O Brasil vivia sob a Ditadura Militar, que, de certa maneira, projetava sobre o povo uma versão da história e da sociedade que não existia. Como na trama da novela.

A classe artística se movimentou para protestar em Brasília. A ideia era levar pessoalmente ao presidente Ernesto Geisel uma carta, um manifesto dos artistas mostrando a repulsa contra a Censura Federal e a proibição da novela. Daniel Filho liderou o movimento e conseguiu juntar quase 40 artistas de peso, entre eles Paulo Gracindo, Tarcísio Meira, Glória Menezes, Regina Duarte, Juca de Oliveira e Lauro César Muniz. Em Brasília, o máximo que conseguiram foi Daniel entregar a carta em mãos ao então chefe da Casa Civil, o general Golbery do Couto e Silva. (“Antes que me Esqueçam”, Daniel Filho)

Substituta

Para tapar o buraco no horário deixado pelo veto de Roque Santeiro, a Globo providenciou uma reprise compacta da novela Selva de Pedra (de 1972) e enviou para a análise da Censura Federal três novas sinopses: as adaptações dos romances “O Resto é Silêncio”, de Érico Veríssimo, e “Os Cangaceiros”, de José Lins do Rêgo, e Saramandaia, de Dias Gomes (que estrearia às 22 horas no ano seguinte). A resposta da Censura veio rápida: “Por favor, tirem a sinopse do Dias Gomes para a gente não ter de proibir de novo.” Os trabalhos de Veríssimo e Lins do Rêgo também acabaram censurados. (*)

A solução foi acionar Janete Clair para, às pressas, escrever uma nova trama, usando praticamente a mesma equipe de Roque Santeiro. Janete vinha roteirizando a novela Bravo!, a atração das sete horas, com a parceria de Gilberto Braga. Deixou-a nas mãos de seu colaborador e começou a trabalhar em Pecado Capital, que estreou em novembro de 1975.

Telefone grampeado

Para escrever Roque Santeiro, Dias Gomes baseou-se em sua peça “O Berço do Herói”, escrita em 1963, proibida, à época, pela censura do Governo Militar de ser encenada (“O Berço do Herói”, por sua vez, remete ao romance “O Falecido Matias Pascal”, de Luigi Pirandello, lançado em 1904).

Contando a história de um cabo da Força Expedicionária Brasileira que deserta e, por engano, é considerado herói de guerra, a Censura Federal não deixara o texto ser encenado, alegando que ele denegria a carreira militar. Havia mesmo um general, Amaury Kruel, que ameaçara Dias Gomes dizendo que “essa peça jamais será representada enquanto nós formos o poder”. Comandante do 2º Exército, o general Kruel tinha sido um dos pracinhas brasileiros da FEB. Ele não gostava nem um pouco de “O Berço do Herói”. Dias tirou todas as fardas de sua história e, acreditando que o Exército não tinha mais razões para se incomodar, adaptou-a para a televisão. (*)

Sobre a proibição de Roque Santeiro, Artur Xexéo narrou em seu livro “Janete Clair, a Usineira de Sonhos”:
“A sinopse estava em Brasília quando o autor recebeu um telefonema do amigo Nelson Werneck Sodré. (…)
‘O que é que você está fazendo?’ – quis saber Werneck.
‘Uma pequena sacanagem’ – respondeu Dias. ‘Estou adaptando O Berço do Herói para a TV’.
‘Mas a Censura vai deixar passar?’
‘Não tem mais o cabo. Assim passa. Esses militares são muito burros!’

Como também era hábito, o telefone de Werneck Sodré estava grampeado. A conversa foi gravada, a censura entendeu as intenções de Dias, os militares voltaram a se sentir atingidos e a sinopse nunca foi oficialmente liberada.”

Dez anos depois

Em 1985, com os ares liberais da Nova República, Roque Santeiro pôde enfim ir ao ar, em nova produção, tornando-se um dos maiores sucessos da TV brasileira de todos os tempos.

Alguns atores do elenco original puderam enfim interpretar os papéis para os quais haviam sido escalados em 1975: Lima Duarte (Sinhozinho Malta), João Carlos Barroso (Jiló), Luiz Armando Queiroz (Tito) e Ilva Niño (Mina). Milton Gonçalves, que iria fazer o padre em 1975, voltou em 1985 em outro personagem, o promotor público. Elizângela, a Tânia da versão original, viveu Marilda na nova versão.

Produção

Dias Gomes queria Dina Sfat para o papel da Viúva Porcina, mas o diretor Daniel Filho preferiu Betty Faria. Para a segunda versão da novela (em 1985), Betty foi naturalmente pensada para o papel, mas o recusou, caindo este nas mãos de Regina Duarte. (“O Circo Eletrônico”, Daniel Filho)

Para sua preparação, o elenco assistiu a documentários sobre o Nordeste. Também visitou Porto das Caixas, em Itaboraí (RJ), conhecido ponto de peregrinação religiosa, com exploração comercial de venda de santos, etc. (“O Circo Eletrônico”, Daniel Filho)

A estátua de Roque Santeiro tombando ao ser baleado – que, na novela, estava na praça central de Asa Branca, em frente à igreja – foi uma encomenda do diretor Daniel Filho ao cenógrafo Mário Monteiro. Daniel explicou no livro “Antes que me Esqueçam”:
“Pedi que fosse parecida com aquela da Avenida Atlântica [no Rio] em homenagem aos Dezoito do Forte de Copacabana. É aquele camarada caindo com a mão no peito e largando o rifle. Só que na novela, em vez de soldado, era um vaqueiro”.
A estátua foi repetida em 1985, na nova edição da novela.

A abertura da novela (exibida apenas em programas de memória, como o Vídeo Show) era baseada na linguagem dos cordéis, livretos de poesias populares comuns no Nordeste brasileiro, e na estética das xilogravuras, marca registrada desses livretos. A vinheta simulava uma narrativa fantástica, na qual os personagens eram apresentados em meio a ilustrações de seres mitológicos, monstros e personagens cangaceiras. Em algumas dessas ilustrações, percebe-se claramente a presença de elementos do folclore e da cultura nacional, assim como nos próprios cordéis. (André Luiz Sens, blog Televisual)

A música da abertura foi regravada para a abertura da novela Sinhazinha Flô, em 1977. A letra era outra, mas a melodia era a mesma.

Editorial

Lido por Cid Moreira no Jornal Nacional do dia da estreia (27/08/75) sobre a censura de Roque Santeiro:

“Desde janeiro que a novela Roque Santeiro vem sendo feita. Seria a primeira novela colorida do horário das oito da noite. Antecipando-se aos prazos legais, a Rede Globo entregou à Censura Federal o script dos vinte primeiros capítulos. No dia 4 de julho, finalmente, o diretor de Censura de Diversões Públicas, Sr. Rogério Nunes, comunicava à Rede Globo: os vinte primeiros capítulos estavam aprovados para o horário das oito “condicionados porém – dizia o ofício – à verificação das gravações para obtenção do certificado liberatório”. O mesmo ofício apontava expressamente os cortes que deviam ser feitos e recomendava que os capítulos seguintes, a partir dos vinte já examinados, deviam manter – palavras textuais da censura – “o mesmo nível apresentado até agora”. Todos os cortes determinados foram feitos. A Rede Globo empregou todos os seus recursos técnicos e pessoais na produção da novela Roque Santeiro. Contratou artistas, contratou diretores, contratou cenógrafos, maquiladores, montou uma cidade em Barra de Guaratiba, enfim, a Globo mobilizou um grandioso conjunto de valores que hoje é necessário à realização de uma novela no padrão da Globo. Foram mais de 500 horas de gravação, das quais resultaram os vinte primeiros capítulos, devidamente submetidos à censura. Depois de examinar detidamente os capítulos gravados, o Departamento de Censura decidiu: a novela estava liberada, mas só para depois das dez da noite. Assim mesmo, com novos cortes. Cortes que desfigurariam completamente a novela. Assim a Rede Globo, que até o último momento tentou vencer todas as dificuldades, vê-se forçada a cancelar a novela Roque Santeiro. No lugar de Roque Santeiro, entra em reapresentação, e em capítulos concentrados, a novela Selva de Pedra, com Regina Duarte e Francisco Cuoco. Dentro de alguns dias, porém – esse é um compromisso que assumimos com o público -, a Rede Globo estará com uma nova novela no horário das oito. Para isso começou hoje mesmo a mobilização de todo o nosso patrimônio: o elenco de artistas, os técnicos, os produtores, enfim, todos os profissionais que aqui trabalham com o ânimo de apurar cada vez mais a qualidade da televisão brasileira. Foi desse ideal de qualidade que nasceu a novela Roque Santeiro e é precisamente com esse mesmo ideal que, dentro de alguns dias, a Globo estará apresentando no horário das oito da noite uma novela – esperamos – de nível artístico ainda melhor que Roque Santeiro.
Roberto Marinho, presidente das Organizações Globo”

(Extraído de O Globo, quinta-feira, 28/08/1975, página 5)

(*) “Janete Clair, a Usineira de Sonhos”, Artur Xexéo.

A FABULOSA ESTÓRIA DE ROQUE SANTEIRO E SUA VIÚVA, de Nelson Mota e Guto Graça Mello
BANANEIRA, de João Donato e Gilberto Gil
BARRIGA FORA DO GRUPO, do grupo Veludo
CIDADE ABERTA, de Dori Caymmi
COMEÇO DE FESTA, de Gonzaguinha
LÁ E CÁ, de Dominguinhos
NOITE CHEIA, de Roberto Carlos e Erasmo Carlos
NOITE VAZIA, de Nelson Motta e Piri
SABOREAREI, de Luli e Lucinha
TROVOADA, de Sérgio Ricardo
UM POR TODOS, de João Bosco e Aldir Blanc

Relação das músicas: jornal Diário de Notícias, 14/08/1975, pesquisa de Bruno Weikersheimer.

Tema de abertura: ROQUE SANTEIRO – Djavan

Quem sabe não quer falar
Quem fala não quer dizer
Eu vou contar pra vocês
A história que o povo conta

É a historia feita de fé
De ambição e de glória
É história dentro da história
Favor prestar atenção

Bendito santo meu rei
Bendita graça do céu
Bendita força da fé
Bendito homem de Deus

Cantador que canta certo e direito
Não tem medo de cantar
Canta um lado e canta outro da história
Canta o que quiser cantar

Maldito homem sem lei
Maldita praga do céu
Maldito santo sem fé
Maldito homem sem Deus

Cantador que canta certo e direito
Não tem medo de cantar
Canta o falso e o verdadeiro da história
Canta o que puder cantar

Bendito santo meu rei
Bendita graça do céu
Bendita força da fé
Bendito homem de Deus

Maldito homem sem lei
Maldita praga do céu
Maldito santo sem fé
Maldito homem sem Deus…

Veja também

  • bemamado_novela

O Bem-Amado (a novela)

  • espigao_logo

O Espigão

  • saramandaia76

Saramandaia (1976)

  • roquesanteiro85_logo

Roque Santeiro (1985)