Em três semanas, estive na coletiva de imprensa de duas novas séries lançadas pelo Globoplay: Aruanas e A Divisão. É notório o esforço da Globo na produção de séries de alta qualidade para competir com Netflix e outras plataformas de streaming. Apesar dos vários títulos nacionais lançados nos últimos dez anos, pelos mais variados canais de TV aberta e fechada, parece que agora é o momento em que surge um número expressivo de produções para fazer frente às “gigantes do streaming“. A TV brasileira acordou para essa nova realidade.
Chama a atenção não só a quantidade, mas também a qualidade dessas produções. Globo/Globoplay lançaram, desde 2017, as ótimas Sob Pressão, Filhos da Pátria, Carcereiros, Assédio, Ilha de Ferro (ótima pelo menos na produção), Cine Holliúdy, Shippados, Aruanas e A Divisão (estreia sexta, dia 19/07, no Globoplay). Entra também nesse bojo a excelente supersérie Onde Nascem os Fortes, do ano passado.
Em contrapartida, as novelas parecem estagnadas na contramão. A qualidade dos textos das novelas da Globo é inversamente proporcional à das séries que a emissora vem lançando. E isso vem acontecendo há mais de um ano. Na edição 2018 do prêmio APCA (Associação Paulista de Críticos de Arte, da qual faço parte), concluiu-se que novela alguma exibida nesse ano merecia ser premiada. Foi então criada a categoria “programa de dramaturgia“, na qual séries como Assédio e Sob Pressão foram indicadas. A vencedora foi a supersérie Onde Nascem os Fortes.
Preciso citar (antes que me cobrem) duas boas novelas da safra 2018-2019, Orgulho e Paixão e Espelho da Vida: ainda que imperfeitas, apresentaram mais qualidades que defeitos.
Como é possível com tantas ótimas opções em streaming, a Globo insistir em novelas com textos rasos que subestimam a inteligência do público? A última “grande novela”, que conseguiu burlar a cilada da narrativa “for dummies” – como costumo chamar a narrativa fácil, meramente escapista, que exige nada do público a não ser a passividade – foi “A Força do Querer“, em 2017. A trama de Glória Perez teve lá seus problemas, claro, mas foi muito além do entretenimento fácil ao chamar a atenção para questões da atualidade com uma narrativa envolvente e personagens de várias camadas, aliando sabiamente temas para reflexão com o bom e velho folhetim.
Sempre defendo que há espaço para todo tipo de dramaturgia (entenda, todo gosto). Desde a novela infantil do SBT até a bíblica da Record. Topíssima, na Record, é um bom exemplo de folhetim que, sem gigantismo ou grandes pretensões, cumpre muito bem o que se propõe. Há inclusive espaço para o humor nonsense descompromissado de Verão 90, da qual não se espera mais do que personagens caricatos e a trama sem muita coerência: é um estilo e atende uma parcela do público interessada em consumi-lo. Vamos portanto excluir Verão 90 dessa análise considerando que ela já cumpre a cota “novela para escapismo“.
O problema é quando tramas que subestimam o público passam a ser uma constância. Fico impressionado, até mesmo temeroso, com o fato de as três novelas atuais da Globo apresentarem narrativas que parecem zombar do telespectador. Deus nos livre disso ser uma tendência!
A Dona do Pedaço nem parece uma novela apropriada para o horário mais nobre, das 9 da noite. A trama rasa de Walcyr Carrasco (um remendo do mais batido que já se viu na obra do autor e de outros autores) ignora o mínimo de coerência e verossimilhança exigidos para suprir sua proposta realista. Começou empolgante, nas primeiras fases, apresentando uma protagonista com tutano – Maria da Paz/Juliana Paes – para transformá-la em seguida em uma grande parva tão somente para justificar a trama inconsistente da novela.
Órfãos da Terra revelou-se uma grande decepção. Em nada lembra a primeira fase, na qual brilharam os personagens de Herson Capri e Letícia Sabatella. A vingança sem sentido da vilã Dalila (Alice Wegmann) só transformou a personagem em uma caricatura de vilã de novela turca. A mão pesada no melodrama remete às novelas de Glória Magadan dos anos 1960. “Eu serei um prisioneiro seu!“, disse o mocinho no capítulo de segunda-feira sentindo-se obrigado a casar com a vilã que ameaçou a sua família. Não sei o que é mais ultrapassado, a fala do personagem ou a situação em que ele se encontra.
Isso sem falar da barriga que acometeu a novela – a enrolação na trama. O que desandou? Era tão boa no início… Lembra O Tempo Não Para, no ano passado, em que não havia trama suficiente para mais de 3 meses de duração.
Estamos tratando de novelas sem estofo na forma e no conteúdo. Em 2019, com séries bombando por todo lado, era de esperar que as novelas competissem no mesmo nível. Logicamente são formatos distintos, não se está aqui usando o folhetim para um mesmo peso e medida. O que sempre condeno: série não é melhor que novela, porque são diferentes – é como afirmar que “abacaxi é melhor que mamão e ponto final”. Contudo, é pedir demais ao menos uma novela na grade que não subestime a inteligência do público?
Pelo andar de 2019, vamos esperar as próximas produções da Globo – Bom Sucesso, Éramos Seis e Amor de Mãe – para saber se conseguem escapar da cilada da narrativa “for dummies“. Caso contrário, as novelas vão merecer ficar novamente fora de algumas premiações do ano.
PS: Em 2019, não era mais para os autores de novelas provocarem esse tipo de “catarse machista“: macho traído que humilha a noiva no altar diante de todos (foto lá em cima, de A Dona do Pedaço). Houve a mesmíssima cena em Segundo Sol, ano passado, e – pior – recentemente, em Verão 90. Novelas deveriam acompanhar a evolução da sociedade, dar o exemplo e trazer frescor, e não retroceder.
Da safra atual, fico somente com a re re re re reprise de Por Amor. Que novelão atemporal é esse Senhor? É maravilhosa.
Todos os personagens tem bagagem, camadas, histórias consistentes, personalidade. Nem se compara à atual novela das nove, onde as personagens são mais rasas que um prato com água. Tempos difíceis.
Mas estou confiante em Bom Sucesso, estou meio assim com alguns nomes do elenco de Éramos seis (e tbm não sei o que esperar da autora), e estou ansioso pela novela da Manuela Dias, pelo trabalho profundo que ela fez em Justiça e em Ligações Perigosas.
As novelas de hoje são mesmo intragáveis. Só assisto a Verão 90 mais pela proposta nostálgica da trama, senão nem perderia meu tempo. Quanto às produções das 18 e 21 horas, nem perco meu tempo assistindo, assim como Bom Sucesso, e todas as outras que vierem futuramente. Só verei novelas antigas doravante, SE a trama me interessar.
Sinceramente não entendo o que aconteceu com Walcyr Carrasco, um autor que escreveu obras primas da teledramaturgia como O Cravo e a Rosa (a única que vale a pena acompanhar atualmente no Canal Viva), Chocolate com Pimenta, Alma Gêmea, Caras e Bocas, Verdades Secretas, Eta Mundo Bão…ele já apresentou uma novela péssima em 2018, a fraquíssima Outro Lado do Paraíso, não achei que pudesse ainda piorar tanto!! Essa Dona do Pedaço é simplesmente horrível, não consigo assistir um capítulo inteiro, previsível, texto maniqueísta, raso, deviam tirar logo do ar…. Só não sei se concordo muito com a critica feita aqui a Órfãos da Terra…apesar de ter perdido alguns capítulos, achei a trama ágil, as autoras me surpreenderam mais uma vez. Sou suspeito pra falar pois adoro essa novela. Para mim, Órfãos da Terra posts estar no horário das 21h, mil vezes melhor que essa porcaria com a pior atriz de novelas, a péssima Juliana Paz….
Triste a fase atual das novelas da Globo. Órfãos começou tão bem e virou uma novela qualquer, batida, rasa, clichê para subestimar a inteligência do espectador. Verão 90 já nasceu ruim e se propôs a ser ruim. Nunca teve história, personagens decentes, direção, nada. É aquela típica novelinha ruim das sete sem história e com cenas bobinhas. A Dona do pedaço é o típico emaranhado do Walcyr Carrasco, remendos de outras novelas, sem história, sem texto, sem personagens interessantes. Até a direção da Amora deixa a desejar porque ela já percebeu que a novela é superficial. Então a fase é péssima. A melhor novela no ar é Topíssima da excelente Cris Fridman. Ela propôs uma trama e tá fazendo bem o que propôs. Vamos esperar pelas próximas. Acho que Bom Sucesso será no estilo Totalmente Demais. Se for assim, será boa e eficiente. Éramos seis é um clássico, mas tenho medo da autora e do que ela fará. Ela é folhetinesca total e Éramos Seis é uma novela que foge muito do maniqueísmo raso das novelas tradicionais. A proposta da história nunca foi essa. Meu medo é que a autora apele para o maniqueísmo e faça uma versão fraca desse clássico. Então, a minha grande aposta é Amor de mãe. O talento da Manuela Dias é inquestionável, a direção é do brilhante José Luis Villamarim e o elenco é forte. Além disso, a história segundo dizem é excelente e com personagens diferenciados, além do texto de qualidade da Manu. Vamos torcer para que seja o recomeço do horário nobre, que ainda terá Lícia na sequência e Maria Helena.
Problema grave na dramaturgia brasileira: O estilo “pastelão” com personagens que parecem que fugiram de um manicômio, com caras e bocas, com um competindo com o outro, acaba que a produção fica sem personagens distintas, pois todos ficam iguais e as cenas fogem da vida real. Nas grandes produções cada ator/atriz se destaca com naturalidade. Até os vilões não precisam exagerar para serem maus. Já no Brasil todos atuam como a Emília do Sítio do Pica-pau Amarelo. Só que detalhe: Ela fazia perfeitamente a personagem que Monteiro Lobato idealizou. O estilo “pastelão” já deu
Adorei a análise, acompanhava na UOL e agora vou acompanhar aqui. Verão 90 e A Dona do Pedaço (sendo Walcyr o autor mexicano que é) já era de se esperar que fossem trash, mas Órfãos da Terra foi uma grande decepção, deu um mês e a trama esvaziou, fica rodando em círculos, os protagonistas perderam o brilho e o núcleo de comédia (muito bom) não sustenta 1h de novela. A única realmente boa no ar atualmente (excluindo-se infantis, Malhação e bíblicas, que são de nichos, falando em público geral mesmo) é Topíssima, que tem abordado bem temas atuais (aborto, relacionamento abusivo, drogas nas universidades) e faz a gente pensar sobre o que as situações querem dizer, não colocam mastigadinho. Merecia mais divulgação como nos áureos tempos da Record.
Não acredito que “Bom Sucesso” será bem recebida. A temática da novela não conquistará o público que acompanha “Verão 90”, porque são novelas muito diferentes. “Amor de Mãe” está cercada de mistérios, a autora é estreante na escrita de novelas e não se sabe muito bem o que vem aí, enfim, é uma aposta ousada da Globo. “Éramos Seis” é melancólica, acredito que será lenta…É, está difícil… Minha esperança é “Amor de Mãe”.
Excelente análise, como de costume.
A qualidade das novelas vem caindo ano apos ano, faz tempo que nao vejo uma novela que prende a atenção totalmente, essas novelas do Walcyr Carrasco as 21 horas, é uma verdadeira desgraça na qualidade, texto e historia, é muito absurdo e incoerencias, sem contar nas mesmas caras de sempre, muita gente sem talento algum. Re-vendo Por Amor mais uma vez, percebo a qualidade do texto, historias do cotidiano que prende a atenção, interpretações convincente, não é atoa que a novela está com a audiecia la em cima.
Eu sinceramente espero que as próximas tramas tragam uma trama mais elaborada. Amor de Mãe, inclusive pelo tempo que teve de preparo, pode ser um diferencial em termos de novelas. Bom Sucesso parece ter uma proposta que permite uma certa densidade, ainda que todos afirmem a abordagem leve e cômica, mas uma coisa não impede a outra. Éramos Seis me causa algum receio, como novidades que estão sendo divulgados e pode descaracterizar a trama, como por exemplo a tia Emília ser vilã. A beleza de Éramos Seis é justamente não haver grandes vilões e nem mocinhos, a vida, o seu desenrolar é a própria antagonista da trama. Vejamos como se dará.