Sinopse
O romance de Maria Lúcia e João Alfredo e a trajetória de um grupo de colegas do tradicional Colégio Pedro II, no Rio de Janeiro, desde o ano de 1964, quando se forma e se instala no país a Ditadura Militar – com prisão, tortura, assassinato e extradição dos opositores -, até 1979, ano da anistia dos exilados, em que a política governamental terá influenciado definitivamente os destinos dos personagens.
Maria Lúcia é uma jovem individualista, traumatizada com a história do pai, Orlando Damasceno, um conhecido jornalista e membro do Partido Comunista que sempre colocou a ideologia acima da realização pessoal. Quando ela conhece João Alfredo, percebe que ele tem o mesmo perfil do pai e tem medo de se entregar à paixão. João, por sua vez, é um rapaz extremamente preocupado com as questões sociais do país.
Ao se apaixonar por Maria Lúcia, João Alfredo fica dividido entre o relacionamento afetivo e a militância política. Seu melhor amigo, Edgar, também se apaixona por ela e os dois passam a disputar o amor da jovem. Com perfil oposto ao do amigo, Edgar não se envolve com as questões políticas e prefere investir na profissão e na felicidade pessoal.
Apesar de se amarem, Maria Lúcia e João Alfredo vivem em conflito por causa da ideologia dele. O namoro fica ainda mais difícil quando ele decide entrar para a luta armada. Após muitos encontros e desencontros, os dois acabam se separando definitivamente. Ela se casa com Edgar, e João, perseguido pela ditadura, é obrigado a sair do país.
Entre os companheiros do movimento contra o regime está Heloísa, filha de Fábio Andrade Brito, banqueiro que ajudou a financiar o Golpe de 1964. De garota rica e mimada, Heloísa dá uma guinada em sua vida ao entrar para a luta armada. O auge é o sequestro de um diplomata estrangeiro pelos guerrilheiros e, posteriormente, a sua morte ao tentar fugir do país.
CÁSSIO GABUS MENDES – João Alfredo Galvão
MALU MADER – Maria Lúcia Damasceno
CLÁUDIA ABREU – Heloísa Andrade Brito
JOSÉ WILKER – Fábio Andrade Brito
MARCELO SERRADO – Edgar Ribeiro
PEDRO CARDOSO – Galeno Quintanilha
GERALDO DEL REY – Orlando Damasceno
BETE MENDES – Carmem Damasceno
BETTY LAGO – Natália Andrade Brito
KADU MOLITERNO – Inácio Avelar
GIANFRANCESCO GUARNIERI – Dr. Salviano
DEBORAH EVELYN – Sandra
CARLOS ZARA – Queiroz
MILA MOREIRA – Regina Ribeiro
IVAN CÂNDIDO – Aberlardo Galvão
NORMA BLUM – Valquíria Galvão
ANDRÉ PIMENTEL – Valdir Santos da Silva
TUCA ANDRADA – Ubaldo
RUBENS CARIBÉ – Marcelo
MARCELLO NOVAES – Olavo
ANDRÉ BARROS – Bernardo Andrade Brito
PAULA NEWLANDS – Lavínia Queiroz
MAURÍCIO FERRAZA – Gustavo
DENISE DEL VECCHIO – Dolores
GEÓRGIA GOMIDE – Zuleica
TEREZINHA SODRÉ – Adelaide
SÔNIA CLARA – Glória
LOURDES MAYER – Marta Damasceno
CASTRO GONZAGA – Teobaldo Damasceno
STELA FREITAS – Dagmar
STEPAN NERCESSIAN – Caramuru
SILVIA SALGADO – Solange
MARIA LÚCIA DAHL – Yone Queiroz
MALU GALLI – Jurema
YAÇANÃ MARTINS – Kira
ROBERTO PIRILO – Capitão Rangel
FÁTIMA FREIRE – Idalina Quintanilha Rangel
BEMVINDO SEQUEIRA – Xavier
MARIA RITA – Zilá
ZENI PEREIRA – Talita
e
ADRIANA DE BROUX – repórter que cobre o sequestro do embaixador suíço
BERNARDO JABLONSKI – Juarez Barbosa de Araújo (professor amigo de Avelar, perseguido pela repressão)
CARLA JARDIM – Jaqueline (vizinha da casa que é o cativeiro do embaixador suíço)
CARLOS GREGÓRIO – Alberto (da organização que luta contra a repressão)
CININHA DE PAULA – Dona Mariléia (censora do Governo Federal que avalia uma telenovela de Galeno)
CLARA CRESTA – Leila (filha de Dagmar)
CONSTÂNCIA LAVIOLA – Zilda (uma das secretárias de Fábio, informante de Valdir)
DUDA RIBEIRO – da organização que luta contra a repressão, participa do assalto ao banco
EDYR DE CASTRO – Zulmira (antiga babá de Heloísa)
ÉLIDA L´ASTORINA – Ângela Noronha (namorada de Ubaldo, atriz)
EMILIANO QUEIRÓZ – Dr. Alcir Castro Magalhães (médico cardiologista que trata Damasceno)
EMÍLIO DE MELLO – Toledo (advogado que defende os interesses de Damasceno, depois de Natália)
ENRIQUE DIAZ – Pedro (da organização que luta contra a repressão)
EVA WILMA – Joana (atriz da peça interrompida por João Alfredo, Galeno e Marcelo)
FAUSTO GALVÃO – Michel Garrido (ator amigo de Galeno)
FRANCISCO MILANI – Inspetor Camargo (agente da repressão)
GUSTAVO GASPARINI – André (da organização que luta contra a repressão)
HÉLIO ZACCHI – Fausto (motorista dos Andrade Brito)
HERSON CAPRI – comandante da polícia, a quem Fábio intercede algumas vezes
JAQUELINE SPERANDIO – Patrícia (uma das secretárias de Fábio)
JONATHAN NOGUEIRA – Guilherme (um dos irmãos de João Alfredo)
JORGE COUTINHO – Pai Betão (vizinho da casa que é o cativeiro do embaixador suíço)
JOYCE DE OLIVEIRA – Dona Marli (dona do apartamento onde João Alfredo aluga um quarto sob falsa identidade)
LEANDRO FIGUEIREDO – José Rodolfo (um dos irmãos de João Alfredo)
MALU VALLE – Célia (professora do Colégio Pedro II)
MARIA PADILHA – Maria Satamini (atriz da montagem de “Fedra”, escrita e dirigida por Galeno)
MÁRIO CARDOSO – Capitão Junqueira (agende da repressão)
MARJORIE ANDRADE – Maria Isabel Soares (amante de Fábio)
MOACYR DERIQUÉM – administrador do teatro cuja peça é interrompida por João Alfredo, Galeno e Marcelo
NELSON MOTTA – repórter no Festival da Canção, pela televisão
NILDO PARENTE – Pedro Paulo (jornalista amigo de Damasceno e Salviano, perseguido pela repressão)
ODILON WAGNER – Ralf Haguenauer (embaixador suíço sequestrado pela organização)
PAMELA ORLANDO E SOUZA – Maria Clara (filha de Heloísa)
PATRÍCIA NOVAES – Vera Linhares (modelo, amante de Fábio)
PAULO CARVALHO – Sérgio (funcionário de Fábio no banco)
PAULO FIGUEIREDO – Delegado Belloti (agente da repressão)
PAULO REIS – policial rodoviário que para o carro de Maria Lúcia, que levava Heloísa e João Alfredo foragidos
PAULO WEUDES – Madureira (porteiro dos prédios onde moram os Andrade Brito e Maria Lúcia)
SAVAS KARYDAKIS – funcionário da embaixada suíça que trata do sequestro do embaixador
SIMON KHOURY – Antunes (mordomo no apartamento dos Andrade Brito)
SUSANA VIEIRA – Mariana (advogada amiga de Regina, agredida por um policial durante um depoimento)
THALES PAN CHACON – Nelson (professor de violão de Heloísa por ela escolhido para perder a virgindade)
Tomaz (marido de Solange)
– núcleo de JOÃO ALFREDO (Cássio Gabus Mendes), jovem formando do Colégio Pedro II. É uma rapaz idealista, politizado e engajado na luta contra a repressão do Governo Militar, que se instaura no Brasil com o Golpe de 1964. Entra para uma organização de esquerda opositora ao regime:
os pais: ABELARDO GALVÃO (Ivan Cândido), dono de uma papelaria. Vive em conflito com o filho por causa de sua ideologia, que ele critica veementemente,
e VALQUÍRIA (Norma Blum), dona de casa, sempre receosa com o que pode acontecer ao filho
os irmãos adolescentes: JOSÉ RODOLFO (Leandro Figueiredo) e GUILHERME (Jonathan Nogueira)
a empregada TALITA (Zeni Pereira), ajudou a criá-lo.
– núcleo de MARIA LÚCIA (Malu Mader), que se apaixona por João Alfredo quando o conhece no Colégio Pedro II, apesar de os dois serem muito diferentes em seus ideais de vida. Individualista e sem os mesmos propósitos, ela vive com João Alfredo uma relação de altos e baixos. Na verdade, Maria Lúcia teme que se repita a experiência que já tem em casa, com seu pai:
os pais: ORLANDO DAMASCENO (Geraldo Del Rey), jornalista de ideais firmes, membro do Partido Comunista. João Alfredo é seu fã e a identificação entre ambos é imediata. Torna-se um nome visado pela repressão do Regime Militar. É amoroso com a filha e tenta fazê-la compreender os seus propósitos. Morre de parada cardíaca ao longo da trama,
e CARMEM (Bete Mendes), dona de casa, companheira do marido, mediadora dos conflitos domésticos
os avós: TEOBALDO (Castro Gonzaga), homem desconfiado e resistente às mudanças,
e MARTA (Lourdes Mayer), senhora simpática e afetuosa, adora assistir televisão
a prima de Carmem, DOLORES (Denise Del Vecchio), mora no mesmo prédio. Solteira e despachada, avessa às questões políticas
a amiga JUREMA (Malu Galli), dos tempos do Colégio Pedro II
a empregada DAGMAR (Stella Freitas), cômica e desajeitada, e sua filha pequena LEILA (Clara Cresta)
o porteiro do prédio onde moram, CARAMURU (Stepan Nercessian), um tipo folgado, de caso com Dagmar.
– núcleo de HELOÍSA (Cláudia Abreu), moça rica, de família da sociedade. Esfuziante, alegre e cheia de vida. De temperamento rebelde, tem prazer em peitar o pai autoritário. A princípio é fútil e alienada, mas muda completamente ao se politizar. Influenciada, acaba entrando para a mesma organização que João Alfredo:
os pais: FÁBIO ANDRADE BRITO (José Wilker), rico banqueiro, um dos financiadores do Golpe de 1964. Prepotente, não consegue dialogar com a filha,
e NATÁLIA (Betty Lago), mulher bela e elegante, mas infeliz no casamento, já que o marido não lhe dá a atenção que deseja. Ao descobrir a sua traição, envolve-se com outro homem
o irmão BERNARDO (André Barros), amigo da irmã, tenta apaziguar os conflitos dela com o pai
o pretendente OLAVO (Marcello Novaes), “almofadinha” um tanto parvo. Heloísa aceita casar-se com ele só para sair de casa, mas a união não dura muito tempo
a amiga de Natália, SOLANGE (Sílvia Salgado)
o advogado de Natália, TOLEDO (Emílio de Mello)
o funcionário de Fábio no banco, SÉRGIO (Paulo Carvalho)
o mordomo ANTUNES (Simon Khoury)
o motorista FAUSTO (Hélio Zacchi).
– núcleo de EDGAR (Marcelo Serrado), melhor amigo de João Alfredo, com quem se formou no Colégio Pedro II. Diferente dele, não se envolve em questões políticas e prefere investir na profissão e na felicidade pessoal. Apaixona-se por Maria Lúcia quando a conhece e passa a disputá-la com o amigo. Acaba se casando com Maria Lúcia no momento em que ela rompe com João Alfredo:
a mãe REGINA RIBEIRO (Mila Moreira), advogada, mulher elegante e simpática, bem relacionada na sociedade.
– núcleo de GALENO QUINTANILHA (Pedro Cardoso), amigo de João Alfredo e Edgar desde os tempos do Colégio Pedro II. É um sujeito avoado, sempre piadista e de bem com a vida. Apaixonado por cinema, teatro e música. Torna-se hippie, dramaturgo e diretor de teatro. Por fim, investe na carreira de novelista na televisão:
a irmã IDALINA (Fátima Freire), com quem mora a princípio
o cunhado CAPITÃO RANGEL (Roberto Pirilo), marido de Idalina, militar que o acha um folgado
o amigo MICHEL (Fausto Galvão), ator.
– núcleo de VALDIR (André Pimentel), amigo de João Alfredo, Edgar e Galeno, do Colégio Pedro II. De família muito pobre, é sempre ajudado pelos amigos. Vai trabalhar no banco de Fábio e vira seu capacho, revelando o caráter um tanto dúbio:
os pais: XAVIER (Bemvindo Sequeira), porteiro do prédio de João Alfredo no início. Demitido por beber além da conta, muda-se para Petrópolis com a mulher pois consegue um emprego de caseiro,
e ZILÁ (Maria Rita), mulher simplória.
– núcleo do PROFESSOR INÁCIO AVELAR (Kadu Moliterno), que dá aulas de História no Colégio Pedro II. Também é um homem politizado, porém moderado, contra os métodos pouco ortodoxos da esquerda. Ainda assim, acaba visado pela repressão. Apaixona-se por Natália e os dois vivem um romance prejudicado pelo estilo de vida dela, já que ele não pode proporcioná-la os luxos a que está acostumada:
os amigos com quem divide apartamento em momentos diferentes, todos de esquerda, que acabam perseguidos pela repressão: UBALDO (Tuca Andrada), fotógrafo jornalista,
JUAREZ (Bernardo Jablonski), professor, consegue fugir do país,
e PEDRO PAULO (Nildo Parente), jornalista amigo de Damasceno
a namorada de Ubaldo, ÂNGELA (Élida L’Astorina), atriz.
– núcleo do DR. SALVIANO (Gianfrancesco Guarnieri), médico amigo de Damasceno e Pedro Paulo. Membro do Partido Comunista, luta contra a repressão até as últimas consequências. Torna-se o mentor da organização da qual participam João Alfredo e Heloísa:
a filha SANDRA (Deborah Evelyn), como o pai, também engajada contra o Regime Militar. Moça dura e objetiva
os demais integrantes da organização: MARCELO (Rubens Caribé), PEDRO (Enrique Diaz) e ANDRÉ (Gustavo Gasparini)
o embaixador suíço RALF HAGUENAUER (Odilon Wagner), sequestrado pela organização.
– núcleo de QUEIROZ (Carlos Zara), dono da Editora Tebas, onde Maria Lúcia e Edgar vão trabalhar. É um homem preocupado com a cultura e a qualidade de suas publicações. Afundado em dívidas, acaba perdendo a editora para o grupo financeiro de Fábio, que elege Edgar como diretor geral e Valdir como tesoureiro:
a mulher YONE (Maria Lúcia Dahl)
a filha LAVÍNIA (Paula Newlands), amiga de Maria Lúcia e Jurema, do Colégio Pedro II
o genro GUSTAVO (Maurício Ferraza), jovem médico com quem Lavínia se casa
a secretária da editora, KIRA (Yaçanã Martins).
– núcleo das amigas de Dolores, desocupadas que vivem na praia fofocando e comentando a vida alheia. Reacionárias, são a favor do Governo Militar e contra os movimentos de esquerda:
ZULEICA (Geórgia Gomide), a que tem a língua mais afiada,
ADELAIDE (Terezinha Sodré) e GLÓRIA (Sônia Clara).
– núcleo dos agentes de repressão do Regime Militar:
INSPETOR CAMARGO (Francisco Milani)
DELEGADO BELOTTI (Paulo Figueiredo)
CAPITÃO JUNQUEIRA (Mário Cardoso)
COMANDANTE (Herson Capri).
Abordagem
Memorável momento da televisão. O fascínio maior estava em trazer de volta os anos 1960. No entanto, a importância da minissérie está mesmo em revelar ao país a obscuridade dessa década no Brasil, sem ser didática nem formadora de opinião. A luta armada de alguns era narrada junto ao cotidiano daqueles que viveram essa época em total alienação. (“Memória da Telenovela Brasileira”, Ismael Fernandes)
Tendo como pano de fundo o romance de João Alfredo (Cássio Gabus Mendes) e Maria Lúcia (Malu Mader), a história levou ao público a luta clandestina de grupos engajados politicamente na tentativa de mudar a história do país. Os relatos mesclaram ficção e realidade por meio do ideal de vida de João Alfredo, jovem preocupado com as questões sociais, capaz de colocar a militância política acima de sua felicidade e realização pessoal.
Por altura da estreia, o diretor Dennis Carvalho afirmou:
“Não é apenas mais uma simples série, é uma coisa que transcende. Topei o projeto porque percebi a sua importante conotação com o atual momento nacional. Nesses anos rebeldes, o país estava em ebulição, como está agora.”
Anos Rebeldes foi premiada em 1992 pela Associação Paulista dos Críticos de Arte (APCA) com o Grande Prêmio da Crítica e com o prêmio de melhor atriz, para Cláudia Abreu.
Caras pintadas
Não deixa de ser irônico que Anos Rebeldes tenha surgido justamente quando o primeiro presidente da República eleito por voto direto após 29 anos – Fernando Collor de Mello -, que deveria ser o corolário natural do processo de democratização do país, tenha se transformado na decepção de milhares de brasileiros.
Em uma atitude inspirada no idealismo do personagem João Alfredo (Cássio Gabus Mendes), os jovens brasileiros foram às ruas exigir o impeachment do presidente Collor, rejeitando o rótulo de alienados – movimento que ficou conhecido em 1992 como “Caras Pintadas”.
Os protestos exibiam cartazes com frases do tipo “Anos Rebeldes, próximo capítulo: Fora Collor! Impeachment já!” e eram embalados por canções como “Alegria, Alegria”, de Caetano Veloso, tema de abertura da minissérie.
Na sexta-feira de 14 de agosto de 1992, dia do último capítulo, Collor falou em rede nacional de rádio e TV convocando a população a se manifestar no domingo seguinte, 16 de agosto, em seu apoio, indo para as ruas vestindo verde-e-amarelo. Como resposta à convocação, o 16 de agosto de 1992 ficou conhecido como “Domingo Negro”. As pessoas foram às ruas, mas com roupas negras e rostos marcados de tinta preta, simbolizando o luto e a indignação que sentiam com o governo.
O presidente acabou afastado do cargo em 29 de setembro, em meio às denúncias e pressão cada vez maior das manifestações nas ruas. O processo de impeachment, antes de aprovado, fez com que Collor renunciasse em 29 de dezembro de 1992, deixando o cargo para seu vice Itamar Franco. Mesmo assim, o processo continuou. Com o julgamento, Collor ficou inelegível por 8 anos.
Muitos apontaram Anos Rebeldes como inspiradora das manifestações, porém, os autores da minissérie constataram ter havido uma sintonia positiva, uma coincidência que fez tudo acontecer ao mesmo tempo. (*)
Trilogia
Para escrever Anos Rebeldes, Gilberto Braga acatou uma sugestão dada pelo próprio público, que queria a continuação da minissérie Anos Dourados (de 1986), sugerindo inclusive o nome da série. (*)
Também foi sugerida ao autor uma terceira parte, para fechar uma trilogia, o que nunca aconteceu.
Para o jornal Folha de São Paulo (de 14/07/1992), Gilberto explicou a diferença entre as duas minisséries: “Anos Dourados é uma história contra a hipocrisia. Anos Rebeldes é contra o autoritarismo e a intolerância, exemplificados pela ditadura militar.”
O primeiro título pensado para a minissérie foi Anos de Chumbo. (“Almanaque da TV”, Bia Braune e Rixa)
Inspiração
Gilberto Braga narrou ao livro “Autores, Histórias da Teledramaturgia”, do Projeto Memória Globo, que não se sentia apto a abordar o tema sozinho e buscou colaboração:
“Eu era muito alienado nos anos 1960. Não sabia nada do que estava acontecendo, não me interessava por política. (…) Para escrever Anos Rebeldes, fui atrás de um escritor que tinha feito política estudantil e conhecia muito bem o período, meu amigo Sérgio Marques, que me ensinou tudo. Eu não seria capaz de fazer sozinho. Estudei muito, li um monte de livros. (…) Daquele período, o que eu conhecia mesmo eram as peruas da praia que ficavam falando besteira.”
Em Anos Rebeldes, o autor reproduziu – com licenças poéticas e nomes trocados, naturalmente – a história verídica do sequestro do embaixador dos Estados Unidos no Brasil, Charles Burke Elbrick, em setembro de 1969, por integrantes dos grupos guerrilheiros de esquerda que lutavam contra o Regime Militar. Na trama da minissérie, entre os guerrilheiros estavam João Alfredo (Cássio Gabus Mendes) e Heloísa (Cláudia Abreu), e o diplomata estrangeiro raptado recebeu o nome de Ralf Haguenauer, vivido por Odilon Wagner.
O caso real foi reproduzido no livro “O Que É Isso, Companheiro?”, de Fernando Gabeira, de 1979, e levado ao cinema em 1997, no filme de Bruno Barreto (indicado ao Óscar, em 1998) homônimo ao livro. Cláudia Abreu e Pedro Cardoso, do elenco da minissérie, também participaram do filme.
Além do livro “O Que É Isso, Companheiro?”, de Fernando Gabeira, Gilberto Braga buscou inspiração em outras duas publicações: “1968, O Ano Que Não Acabou”, de Zuenir Ventura, e “Os Carbonários”, de Alfredo Sirkis.
Outra inspiração para o autor foi o cinema: os filmes Desaparecido, um Grande Mistério (1982), de Costa-Gavras, e Nosso Amor de Ontem (1973), de Sidney Pollack.
Gilberto Braga reproduziu (no último capítulo) uma passagem acontecida consigo na época em que escrevia a novela Escrava Isaura (1976-1977). O personagem Galeno Quintanilha (Pedro Cardoso) era um novelista que escrevia uma trama de cunho abolicionista, nos anos 1970, e foi repreendido por uma censora em uma reunião em Brasília. Gilberto de fato passou por essa situação e aproveitou a minissérie para mostrar as dificuldades pelas quais passavam os novelistas com a censura do Governo Federal durante os Anos de Chumbo.
Revisionismo
Em 17/07/1992, três dias depois da estreia de Anos Rebeldes, os militares soltaram uma nota com o título “A história que não foi contada”. Ainda que não fizesse qualquer referência ao nome da minissérie, o texto do Centro de Comunicação Social do Exército criticava os “revisionistas de plantão” e defendia a “Revolução Democrática de 1964” como um “movimento que, cumpre enfatizar, foi deflagrado pelo clamor popular”. De acordo com as Forças Armadas, tais momentos vinham sendo “reescritos segundo ótica deturpada, porquanto tendenciosa”.
Em seu livro “Anos Rebeldes, os Bastidores da Criação de uma Minissérie”, Gilberto Braga escreveu a respeito das reclamações do Exército.
“Embora não seja panfletário, tende nitidamente para o lado da antiga esquerda, ou seja, contamos uma história a partir do ponto de vista dos esquerdistas, e não me envergonho disso. Era a primeira vez que uma emissora de TV se dispunha a levar ao ar, na dramaturgia, uma abordagem séria sobre a ditadura militar brasileira. Não seria eu a dar a versão da direita, que até hoje chama o golpe [de 1964] de ‘revolução’.”
O jornalista Zuenir Ventura (autor do livro “1968, O Ano Que Não Acabou”) cobriu de elogios a minissérie. Segundo ele:
“Gilberto Braga consegue devolver o valor essencial daquele momento, que é a paixão. E acho que a grande atualidade da série, principalmente para os políticos, é mostrar que a política pode ser ética.”
Menos entusiasta, o deputado Alfredo Sirkis (autor do livro “Os Carbonários”) – que muitos afirmaram ser o modelo que inspirou o personagem João Alfredo – preocupou-se com a censura vigente na Globo:
“Sei que Anos Rebeldes não é uma obra política, mas uma história de amor ambientada nos Anos de Chumbo. Só que este pano de fundo tem que ser honesto. Não se pode atenuar o terror que foi aquela época, em termos de repressão e cerceamento da liberdade.”
Painéis documentais
Os painéis documentais em preto e branco, filmados em película de 16mm, exibidos ao longo da trama, foram feitos pelo cineasta Silvio Tendler, constituídos por uma extensa pesquisa em imagens de época, fotografias e recortes de jornais, que se misturavam a cenas da minissérie gravadas em preto e branco. (*)
Os painéis, acompanhados por músicas daquele momento, exibiam registros políticos, sociais e culturais da época, como passeatas contra a ditadura, as posses dos presidentes Médici, Geisel e Figueiredo, as mortes de Carlos Marighella e de Che Guevara, a Guerra do Vietnã, o Festival de Woodstock, os Festivais da Canção, a chegada do homem à Lua, a conquista do tricampeonato de futebol no México, entre outros.
Elenco
Cláudia Abreu brilhou como Heloísa, uma das personagens mais marcantes e lembradas da minissérie: garota rica, rebelde e um tanto individualista que passa por uma transformação até adquirir consciência política sobre o momento em que vivia. Engajada, acaba entrando para a luta armada e é morta pela repressão.
Destaque também para as ótimas interpretações de Malu Mader e Cássio Gabus Mendes, como o casal protagonista. Os nomes de seus personagens homenageavam os pais do cantor Cazuza, Maria Lúcia e João Alfredo Araújo.
Quando Kadu Moliterno foi convidado para atuar em Anos Rebeldes, seria Nelson, o professor de violão de Heloísa por ela escolhido para perder a virgindade. Porém, Marcos Paulo, que faria o professor Inácio Avelar, não pôde fazer, acabando Kadu com o papel. Para compor o visual do personagem, pela primeira vez o ator deixou crescer barba. Para o professor de violão, foi convocado o ator Thales Pan Chacon.
Gilberto Braga inspirou-se na diretora teatral Tetê Medina para compor Avelar. Na época, ela era funcionária do Itamaraty, mas engajada na luta, como o personagem da minissérie. Assim como Avelar, Tetê negou que tenha utilizado o telex ou a mala diplomática da chancelaria brasileira para denunciar aos jornais europeus os crimes cometidos contra presos políticos.
“Eu não era louca para mandar denúncias pela mala diplomática”, disse Tetê. “Elas eram enviadas mesmo, mas por outros meios.”
O editor Queiroz (Carlos Zara), e mais propriamente a sua luta contra o Regime Militar, foi inspirado em Ênio Silveira do grupo editorial Civilização Brasileira.
Militantes de esquerda, os atores Bete Mendes, Gianfrancesco Guarnieri e Francisco Milani, do elenco, passaram pelas prisões da Ditadura. Ex-integrante da organização VAR-Palmares, Bete Mendes deu um depoimento ao elenco sobre sua militância política na época.
Estreia de Betty Lago na televisão, como atriz. Também o primeiro trabalho em TV dos atores Rubens Caribé, Emílio de Mello, Malu Galli e André Barros (filho do jornalista e crítico de TV Artur da Távola).
Falha nossa
Uma das melhores cenas e das mais lembradas de Anos Rebeldes foi a morte da personagem Heloísa (Cláudia Abreu), baleada por um soldado ao tentar fugir do país. Nesta sequência (exibida no último capítulo) ocorreu um notório erro de continuidade. O carro em que Heloísa estava é parado por um soldado e ela sai do automóvel com uma bolsa a tiracolo, enquanto os demais passageiros permanecem dentro do veículo. Colocando a mão na bolsa, o soldado pensa que ela vai sacar uma arma e atira. Quando é atingida, Heloísa joga a bolsa longe, enquanto o carro foge em disparada. Em uma tomada posterior, quando o inspetor Camargo (Francisco Milani) se aproxima da vítima, a bolsa está junto ao seu corpo, e não longe, como na cena anterior. É quando ele percebe que Heloísa tirava a carteira de identidade da bolsa, e não uma arma.
Ficou célebre o erro de gravação que virou um clássico do quadro Falha Nossa do programa Vídeo Show. Os atores Lourdes Mayer, Malu Mader, Bete Mendes, Marcelo Serrado e Mila Moreira entram em um elevador cenográfico e precisam fazer juntos a puladinha que simula a partida do equipamento. A deixa é a palavra “teatro” na fala da personagem de Lourdes Mayer. Os atores não se aguentam e caem na risada no momento da puladinha, tendo que repetir a tomada várias vezes. Após tantas tentativas, Lourdes Mayer, espirituosa, solta um caco que explica a risada de Malu Mader: “Ah uma comédia tão interessante. Picante, minha filha!”. E a cena foi ao ar assim mesmo, ao final do capítulo 13.
Cenografia
Muitas das cenas foram realizadas em estúdio, para as quais foram feitas reconstituições de época, como do Teatro Opinião e da porta do cinema Paissandu – a cargo do cenógrafo Mário Monteiro, com ajuda da produtora de arte Cristina Médicis. (*)
Trilha sonora
A trilha sonora de Anos Rebeldes, uma das melhores já feitas, teve direção musical de Mariozinho Rocha, com produção de Edom Oliveira e coordenação do próprio Gilberto Braga. Foram selecionadas músicas representativas do período retratado na trama (anos 60 e 70), nacionais e internacionais, misturando pop com bossa nova e tropicalismo.
É a terceira mais vendida entre as trilhas de séries e minisséries da Globo, 126.130 cópias, perdendo apenas para as trilhas de Malu Mulher (2º lugar) e Anos Dourados (1º lugar). (fontes: Vincent Villari, Som Livre e ABPD)
A música-tema de abertura, “Alegria Alegria”, de Caetano Veloso, já havia sido usada na abertura da novela Sem Lenço, Sem Documento, em 1977.
Repetecos
Em julho de 1992, durante a exibição da minissérie, seu texto foi lançado em livro, com adaptação de Flávio de Campos, pela Editora Globo.
Em junho de 2010, Gilberto Braga lançou o roteiro completo da minissérie no livro “Anos Rebeldes – Os Bastidores da Criação de Uma Minissérie”, pela Editora Rocco.
Anos Rebeldes foi reapresentada de 7 a 31/03/1995, em 16 capítulos, nas comemorações dos 30 anos da TV Globo.
Também reprisada de 17 a 24/01/2005, no Multishow (canal de TV paga pertencente à Rede Globo), em comemoração aos 40 anos da emissora. O Multishow exibiu a versão internacional de 6 capítulos, com todas as legendas de passagem de tempo em inglês.
Ainda reprisada pelo Viva (outro canal de TV paga pertencente à Globo), na íntegra, em duas ocasiões: entre 30/05 a 24/06/2011, às 23h45, e entre 27/05 e 21/06/2013, às 23h15.
Anos Rebeldes também foi lançada em vídeo, ainda nos anos 1990, em DVD, em 2003, e está disponível no Globoplay (plataforma streaming da Globo).
(*) Site Memória Globo.
01. BABY – Gal Costa e Caetano Veloso (tema de Maria Lúcia)
02. SAPORE DI SALE – Gino Paoli
03. CARTA AO TOM – Toquinho e Vinícius
04. CAN’T TAKE MY EYES OFF YOU – Frankie Valley & The Four Seasons (tema de Maria Lúcia e João Alfredo)
05. MASCARADA – Emílio Santhiago (tema de Avelar e Natália)
06. ALEGRIA ALEGRIA – Caetano Veloso (tema de abertura)
07. GOING OUT OF MY HEAD – Sérgio Mendes
08. MONDAY MONDAY – The Mamas & The Papas
09. THERE’S A KIND OF HUSH – Herman’s Hermits
10. SOY LOCO POR TI AMERICA – Caetano Veloso
11. DISCUSSÃO – Silvinha Telles
12. CALL ME – Chris Montez (tema de Heloísa)
13. SENZA FINE – Ornella Vanoni (tema de Natália)
14. GUATANAMERA – Edom e Felipe
15. THE HOUSE OF THE RISING SUN – Edom e Felipe
Sonoplastia: Adirson Sansão
Coordenação musical: Gilberto Braga
Produção musical: Edom de Oliveira e Felipe Reis
Direção musical: Mariozinho Rocha
Ainda
A BANDA – Nara Leão
AQUARIUS / LET THE SUNSHINE IN – The 5th Dimension
ARRASTÃO – Elis Regina
BACHIANAS BRASILEIRAS Nº 4 (PRELÚDIO) – Heitor Villa-Lobos
COMO NOSSOS PAIS – Eis Regina
DANÚBIO AZUL – Johann Strauss II
GUARDA COME DONDOLO – Edoardo Vianello
I WANT TO HOLD YOUR HAND – The Beatles
MISSA AGRÁRIA / CARCARÁ – Maria Bethânia
O BÊBADO E A EQUILIBRISTA – Elis Regina
PATA PATA – Miriam Makeba
PRA NÃO DIZER QUE NÃO FALEI DAS FLORES – Geraldo Vandré
QUERO QUE VÁ TUDO PRO INFERNO – Roberto Carlos
RODA – Gilberto Gil
RODA VIVA – Chico Buarque
SÁ MARINA – Wilson Simonal
SABIÁ – Cynara e Cybele
(I CAN’T GET NO) SATISFACTION – The Rolling Stones
SUN KING – The Beatles
Tema de abertura: ALEGRIA ALEGRIA – Caetano Veloso
Caminhando contra o vento
Sem lenço, sem documento
No sol de quase dezembro
Eu vou
O sol se reparte em crimes
Espaçonaves, guerrilhas
Em cardinales bonitas
Eu vou
Em caras de presidentes
Em grandes beijos de amor
Em dentes, pernas, bandeiras
Bombas e Brigitte Bardot
O sol nas bancas de revistas
Me enche de alegria e preguiça
Quem lê tanta notícia?
Eu vou
Por entre fotos e nomes
Os olhos cheios de cores
O peito cheio de amores vãos
Eu vou
Por que não? Por que não?
Ela pensa em casamento
E eu nunca mais fui à escola
Sem lenço, sem documento
Eu vou
Eu tomo uma Coca-Cola
Ela pensa em casamento
E uma canção me consola
Eu vou
Por entre fotos e nomes
Sem livros e sem fuzil
Sem fome, sem telefone
No coração do Brasil
Ela nem sabe, até pensei
Em cantar na televisão
O sol é tão bonito
Sem lenço, sem documento
Nada no bolso ou nas mãos
Eu quero seguir vivendo
Amor eu vou
E por que não? Por que não? Por que não…
Um Marco da minha adolescencia Claudia abreu extraordinaria alem do resto do elenco.
Marcou, absurdamente, o início da minha adolescência e perturbou a minha mente, positiva e definitivamente.
Uma obra-prima!
Excelente. Tudo perfeito. Elenco, história, reconstituição de época, trilha sonora, com 2 das minhas atrizes preferidas, de todos os tempos, Cláudia Abreu e Malu Mader. A cena em que Heloísa, personagem da Cacau, morre, no último capítulo, assassinada, é antológica. Nesta época da minissérie, jovens saíram pras ruas, pregando o “impeachment” do Presidente Collor, que aconteceu em 29/09/1992.